sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Expressões idiomáticas da língua portuguesa

Quantas vezes você “deu uma de joão sem braço”, “foi um maria-vai-com-as-outras” e “enfiou o pé na jaca”. Depois “começou a trocar as bolas”, “deu com a língua nos dentes” e sua esposa “rodou à baiana”. Não adianta “chorar pelo leite derramado”, pois se não fosse algum amigo “quebrar o galho”, até agora você estava “pegando papel na ventania” e sua mulher “dando mole por aí”.

Apesar do início bem-humorado do texto, a intenção de nossa coluna não é rir da infelicidade alheia. O verdadeiro intuito é demonstrar que, em nosso dia a dia, usamos com muito frequência as chamadas expressões idiomáticas da língua portuguesa, que nada mais são do que expressões que se caracterizam por não serem compreendidas recorrendo-se ao significado particular de cada vocábulo. Ao contrário, somente têm sentido se interpretadas como um todo e, geralmente, surgem de algum episódio corriqueiro do passado, que permitiu que ganhassem popularidade.

A expressão “rodar à baiana”, por exemplo, tem uma história de surgimento curiosa. Diz-se que no início do século passado, os blocos de carnaval saíam às ruas e, em meio ao povo, alguns malandros se aproveitavam das moças. Surgiu, então, a ideia de introduzir alguns capoeiristas, vestidos de baianas, em meio ao desfile, armados de navalhas. Via-se “rodar à baiana” no carnaval.

Os idiomatismos possuem algumas características muito particulares que os diferenciam de simples junções de palavras. Por exemplo, não é possível substituir uma das palavras dessas construções por outra que lhe seja sinônima, sem haver perda de sentido. Ninguém diz: girar à baiana ou dar uma de pedro sem braço.

As expressões idiomáticas são também incorretamente incluídas junto aos vocábulos compostos. Palavras compostas como guarda-roupa ou beija-flor não possibilitam flexão verbal; já expressões como “rodar à baiana” e “dar uma de joão sem braço” admitem flexão do verbo de acordo com o sujeito da ação. “O chefe rodou à baiana”, “A funcionária deu uma de joão sem braço”. É isso.

Ativo, passivo ou reflexivo?

No domingo passado, ao tratarmos de casos de voz passiva sintética, houve equívoco na classificação de uma das orações, o que me motivou a tratar, nessa semana, das vozes do verbo.

Na voz ativa, a pessoa a que se refere o verbo é a responsável pela ação. Por exemplo, em: “O goleiro da Argentina agrediu o adversário na área”, o sujeito “o goleiro da Argentina” é quem pratica a agressão contra o adversário. Se para toda ação há uma reação, quem sofrerá as consequências do ato também será ele, que, certamente, receberá um cartão vermelho e terá um pênalti contra seu time.

Quando o verbo está na voz passiva, indica que a pessoa é o objeto ou o paciente da ação verbal. Em “O goleiro da Argentina foi agredido pelo adversário na área”, o sujeito “o goleiro da Argentina”, em lugar de agredir, sofre a agressão. A diferença se evidenciaria, em campo, com falta em favor da Argentina e expulsão do adversário, responsável pela ação (agente da passiva).

O verbo poderia se apresentar também na voz passiva sintética, que se diferencia da passiva analítica pela omissão do agente, com o uso da partícula apassivadora (se). Para o fato acima, teríamos: “Agrediu-se o goleiro da Argentina na área”. Como efeito do uso dessa estrutura, haveria, em campo, apenas a marcação de falta a favor da Argentina, já que houve a omissão do “culpado” da agressão.

Há ainda a voz reflexiva, que indica, por meio da adição de um pronome oblíquo ao verbo (me, te, se), que a ação é realizada e sofrida pelo(s) mesmo(s) ser(es). Para o caso acima, poderíamos ter: “O goleiro da Argentina e o adversário agrediram-se dentro da área”. O resultado da agressão mútua, nessa situação, seria totalmente diferente, com goleiro e adversário sendo expulsos de campo. Isso, obviamente, se o juiz não fosse argentino!

O seu cão vai ficar um gato

Há alguns dias, um panfleto de propaganda me chamou a atenção pela criatividade no uso da língua. Em uma oferta de serviços de banho e tosa de loja especializada em produtos e serviços para animais (“pet shop”), viam-se em grandes letras, os dizeres “Aqui o seu cão vai ficar um gato”.

O produtor do anúncio se utilizou sabiamente de um recurso importantíssimo da língua: as figuras de linguagem. No caso, de uma das figuras mais produtivas da língua portuguesa, conhecida como metáfora, que consiste no emprego de uma palavra fora de seu sentido convencional ou normal, apontando semelhança mental e subjetiva entre os seres.

Podemos dizer que “a propaganda é a alma do negócio” ou que “o futebol é uma caixinha de surpresas”. Nos dois casos, estamos usando o sentido figurado, para dizer que a propaganda é de importância fundamental no negócio e que tudo pode acontecer em uma partida de futebol.

No panfleto, além de explorar o fato de que cães e gatos constituem a grande maioria dos “clientes” desse tipo de loja, o responsável pela propaganda atentou-se para o fato de que a palavra “gato”, além de ser usada para se referir aos felinos, também é usada metaforicamente como alusão aos seres humanos que se destacam pela beleza e sensualidade. O resultado foi a oração acima, que chamou a atenção dos futuros clientes em relação aos cuidados estéticos oferecidos, que vão deixar os cães e, obviamente, os gatos mais belos do que já são.

A utilização de metáforas relacionadas à palavra cão não gerariam mesmo resultado. A oração “o seu gato vai ficar o cão”, por exemplo, surtiria efeito contrário, já que “o cão”, metaforicamente, pode remeter a um ser de aparência desagradável.

Até a próxima.

Como entender nossa língua?

O diálogo com um austríaco me fez refletir sobre questões interessantes a respeito de nossa língua, as quais a tornam de difícil compreensão para quem não é brasileiro nato. Vejamos.

Quando se quer urgência na realização de algo, diz-se que deve ser feito já. Portanto, “já” quer dizer “agora”. Contudo, quando se diz que algo será feito “já, já”, quer dizer que será feito daqui a pouco. Se um “já” pede urgência, porque dois “jás” não sugerem maior urgência ainda? E quando se diz que algo deve ser feito rapidinho? “Rapidinho” seria diminutivo de “rápido”, por isso, seria natural que “rapidinho” fosse menos veloz que rápido, mas não é.

E o uso do não? Se quero dizer que não vou a algum lugar, digo: “Eu não vou”. “Não” nega o conteúdo do verbo, certo? Acontece que às vezes colocamos outro não ao final da oração e aí tem-se algo como: “eu não vou não”. Se um “não” nega o conteúdo do verbo, o outro estaria negando o primeiro “não”. Seria algo como “eu vou”? Sabemos que não é. Bem faz o nordestino que, com o intuito de evitar a fadiga, avançado em seu tempo e econômico nas palavras, diz: “vou não”.

Sem falar da célebre pergunta: “você tem horas?”. A resposta seria: “sim eu tenho”. Aliás, uma amiga tomou o maior “esfrega” de um taxista em Portugal, quando perguntou se ia chover. Disse ele, em alto e bom som: “Como é que eu vou saber?”. Parece até aquela pessoa que não entende o sentido de uma pergunta retórica. Se você diz: “Olá, tudo bem?”, ela diz: “não” e vem logo com uma série infindável de problemas e doenças. Uma pergunta retórica sugere uma reposta simples como, “tudo bem, e você?”

Como é que o austríaco (aquele mencionado no início do texto) vai entender tudo isso. Coisas da nossa língua. Até a próxima.

“Meio que em off” ou “making of”

As palavras provenientes de outras línguas sempre estiveram presentes no vocabulário dos brasileiros. Durante a colonização, a enorme variedade de povos europeus e africanos que aqui aportaram fez com que o português recebesse inúmeras contribuições que, somadas às contribuições das centenas de línguas indígenas presentes no território brasileiro, delinearam uma língua que alguns ousam chamar de brasileira.

Não obstante a origem caracterizada pela junção de culturas e povos, o português brasileiro recebeu e ainda recebe contribuições de inúmeras outras fontes, sobremaneira, de nações que atualmente exercem certo domínio econômico e cultural sobre os demais países.

Com a popularização da rede mundial de computadores, a proliferação dos estrangeirismos – palavras emprestadas de outras línguas – passou a figurar como fenômeno evidente de enriquecimento do vocabulário das línguas. Palavras como “deletar”, “escanear”, “tuitar” e “logar” soam como legítimas portuguesas na boca da “geração internet”, que já “saiu de fábrica” falando inglês e “fuçando” no computador.

Contudo, gerações anteriores, com mais de 30 anos e “sem tecla sap”, confundem-se com tantos termos em inglês. Veja um exemplo.

Uma amiga, ao tratar de detalhes do casamento com a cabeleireira, recebeu a informação de que poderia fazer “making of” com o fotógrafo. Sem conhecer a expressão cunhada no cinema americano, que significa “documentário de bastidores”, a futura noiva entendeu que ela poderia fazer algo “meio que em off”, expressão adaptada de “off the records” e usada no Brasil para se referir a algo “não oficial” ou, em português popular, “por baixo dos panos”. Resultado: recusou prontamente a oferta da cabeleireira.

Aliás, o correto é “the making of” e não “the making off”, como muito se vê, já que a tradução exata do termo é “a feitura de” ou “a elaboração de”. Até a próxima.

Quando usar perca ou perda?

O verbo perder quase sempre remete a ações de caráter negativo. Perdemos tempo, perdemos dinheiro, perdemos coisas, perdemos pessoas, “perdemos até a cabeça” (obviamente, no sentido figurado). Positivo mesmo só se perdermos peso. Aliás, o tema deste artigo surgiu exatamente de um comercial de TV, daqueles famosos, que prometem corpo “sarado” em poucas semanas, com dietas milagrosas e sem nenhum esforço.

O comercial se iniciava, como os demais, com fotos de desconhecidos antes e depois da dieta e, em grandes letras, exibia no canto da tela os seguintes dizeres: “Com o uso efetivo do produto, acompanhado de exercícios físicos, perda até 5 quilos em uma semana”.

Deixando de lado a eficácia do método de emagracimento, analisemos o uso incorreto da forma “perda”.

O verbo “perder” é irregular e há a troca do ‘d’ pelo ‘c’ em algumas formas verbais, como na primeira pessoa do singular do presente do indicativo, “eu perco” ou na terceira do imperativo afirmativo, “perca você”, “percam vocês”.

Na oração acima, requeria-se a forma de terceira pessoa do singular no imperativo afirmativo “perca”. Dessa forma, o correto seria: “Perca até 5 quilos em uma semana”.

“Perda” é substantivo feminino e deve ser usado somente com essa função. Por exemplo: “Ocorreu a perda total no acidente com o automóvel” ou “Há muita perda de tempo no trânsito hoje em dia”.

A dica para não errar é observar se a forma requerida no contexto é um verbo ou um substantivo. O substantivo sempre admite o acréscimo de um artigo definido em posição anterior: “a perda de tempo”, “a perda de espaço”. Com o verbo, o mesmo não ocorre. Até a próxima.

Uma revisão nas regras de acentuação

A grande queixa dos alunos em relação às regras gerais de acentuação é se lembrar daquela série enorme de terminações de palavras paroxítonas acentuadas (UM, UNS, L, PS, X, EI (S), ÃO (S), U (S), I (S), R, Ã (S), N).

Acontece que há outra forma de sabermos quais palavras paroxítonas (palavras com a penúltima sílaba tônica) devem ser acentuadas no português.

É só “guardarmos” a regra das oxítonas e dos monossílabos tônicos (diga-se de passagem, muito mais simples), que, por consequência, saberemos quais as paroxítonas acentuadas.

Acentuamos os monossílabos tônicos terminados em ‘a(s)’, ‘e(s)’, ‘o(s)’ e as oxítonas terminadas em ‘a(s)’, ‘e(s)’, ‘o(s)’, ‘em’, ‘ens’. Isso quer dizer que acentuamos monossílabos como: pá, pé e pó e oxítonas como: maracujá, filé, jiló, refém e parabéns. Quer dizer também que não acentuamos os monossílabos e as oxítonas com outras terminações, como: vi (do verbo ver), nu, abacaxi, tatu, professor, partir, jornal etc.

Para as paroxítonas, ocorre exatamente o contrário, ou seja, não acentuamos as terminadas em ‘a(s)’, ‘e(s)’, ‘o(s)’, ‘em’, ‘ens’, como planta, frente, canto e ontem; e acentuamos as que possuem quaisquer outras terminações (“coincidentemente”, as da lista acima), como: álbum, ágil, bíceps, tórax, vôlei, órfão, bônus, hífens, vírus, táxi, ímã.

Em relação às proparoxítonas, não há mistério. Todas são acentuadas.

A mesma estratégia usada em relação às regras gerais de acentuação pode funcionar bem para as demais regras. Oxítonas terminadas em ditongo “ia” não são acentuadas, paroxítonas são. Acentua-se ambulância, mas não se acentua melancia.

É isso. Até a próxima semana.

Uma vogal faz toda a diferença

Na língua portuguesa, algumas palavras são muito parecidas com outras e, às vezes, confundimo-nos e usamos a palavra incorreta para a ideia que queremos transmitir. Dizemos descriminação em lugar de discriminação, discrição em vez de descrição, tráfego em vez de tráfico.


Essa relação entre palavras semelhantes na pronúncia e na escrita, mas diferentes no significado é chamada de paronímia. Mas lembre-se: não são iguais, são semelhantes, ou seja, há sempre alguma diferença na forma escrita.

Para os exemplos acima, observe que uma única vogal, pode fazer toda a diferença. Descriminação é o ato de descriminar, deixar de ser crime (do latim “crimen”); discriminação (do latim “discriminatione”) é o ato de discernir, separar ou distinguir. Podemos dizer que somos a contra a discriminação racial, mas nunca a contra da descriminação racial.

Com as palavras discrição e descrição, há a mesma diferença. Descrição vem de descrever (do latim “describere”), que significa narrar ou contar minuciosamente. Discrição relaciona-se à discreto (do latim “discretu”), que quer dizer reservado, que não chama a atenção. É possível dizer que alguém age com discrição, mas não com descrição.

Em relação às palavras tráfego e tráfico, a distinção é mais visível, já que, além da diferença de vogais na segunda sílaba, há também alteração da consoante da última sílaba. Tráfego tem relação com grande fluxo ou grande atividade. Tráfego de automóveis, de aviões, de pessoas. Tráfico tem relação com comércio ou negócio. Tráfico de drogas, tráfico de armas.

O interessante é que, segundo o dicionário Aurélio, tráfego é uma palavra que se formou pela alteração da palavra tráfico (do italino “tráffico”). Em outras palavras, as duas têm mesma origem. Coisas de nossa língua. É isso. Até a próxima.

Para que complicar?

Há algum tempo já discutimos aqui a necessidade que os falantes de língua portuguesa têm de tornar mais rebuscadas as expressões utilizadas no dia a dia. Renegam-se palavras portuguesas em favor de palavras do inglês e do francês, simplesmente para dificultar a compreensão, ou “elitizar” bens e serviços. E não é só isso, até mesmo no português, às vezes, abre-se mão de palavras simples somente para tornar mais rebuscado o discurso.

O mais curioso é que essa prática já ocorria há muitos séculos. Vejamos um bom exemplo, extraído de gramáticas da língua portuguesa.

Em 1540, ao tratar dos tempos verbais, na obra que seria uma das primeiras gramáticas do português, João de Barros anotou:

“Temos em nóssa linguágem cinquo tempos como os latinos: presente, passádo por acabar, passado acabádo, passádo mais que acabádo, e vindouro, ou futuro.” (conservei aqui ortografia e acentuação da época).

O leitor há de convir que é muito mais simples, para uma criança em idade escolar, lidar com o termo “passado mais que acabado” do que com a forma hoje utilizada, “pretérito mais-que-perfeito”. As formas “passado por acabar” e “passado acabado”, do mesmo modo, são autoexplicativas, por outro lado, as utilizadas nas gramáticas atuais, “pretérito imperfeito” e “pretérito perfeito”, já nasceram arcaicas. Até explicar ao aluno que pretérito é passado e que imperfeito é o que ainda não se acabou, “Inês é morta”, como diria Camões.

Não estou aqui defendendo o empobrecimento da língua portuguesa. As palavras e expressões cunhadas no dia a dia, ao contrário do que se pensa, só enriquecem cada vez mais o português.

O que sugiro é a popularização do ensino de língua portuguesa. Esse excesso de requinte surgiu exatamente em um momento em que a educação era para poucos. O momento agora é outro, a educação é para todos.

Língua(gem) e sociedade

Uma língua, seja ela qual for, tem a função de permitir a comunicação entre os indivíduos. Essa é sua função primordial. Há uma relação direta e indissolúvel entre sociedade e língua e língua e sociedade, que não permite que se pense em indivíduos vivendo conjuntamente sem o estabelecimento de comunicação entre si e, da mesma forma, não é possível a comunicação sem que haja uma convenção social, o que chamamos de língua.

Língua é um conjunto de convenções sociais historicamente constituídas, que permite que os indivíduos se comuniquem. Somente os seres humanos têm essa capacidade, relacionada talvez com algum dispositivo biológico, que permite que se formule e se entenda um conjunto de sons e a eles se associe um sentido.

A facilidade com que uma criança adquire sua língua materna é algo quase inexplicável, levando em consideração a complexidade de uma língua. Em aproximadamente três anos, adquire-se um conjunto razoavelmente grande de palavras, aliado às regras de uso da língua, as chamadas regras da gramática dos usuários de uma língua, algo que permite que se estruturem frases coesas e coerentes, ou seja, que permite que se diga “O bebê está com fome” em vez de “Fome bebê com está”.

Uma operação que parece simples, mas que possui grande complexidade, mesmo para adultos que tentam adquirir uma segunda língua. Além dessa facilidade na apreensão das estruturas e do léxico (palavras), some-se a elaboração, por parte da criança, de frases nunca ouvidas, demonstrando capacidade criativa e não somente reprodutiva, o que prova que o ser humano possui uma estrutura em seu cérebro que cria e modifica a língua.

Essa capacidade única coloca o homem como espécie central do planeta Terra, permitindo a organização em sociedade e a comunicação, atributos essenciais para o domínio sobre outras espécies e para a manipulação de objetos.

É a linguagem humana que permite a esse ser alterar seu meio e traçar o seu destino, mas, por outro lado, permite também galgar sua própria destruição.

O dialeto caipira ainda existe?

Em 1920, o filólogo, poeta e folclorista Amadeu Amaral publicou o que seria sua mais importante obra: “O dialeto caipira”, baseado na observação científica minuciosa das características da língua falada no interior paulista.

Alertou Amaral, já nas considerações prévias, que aquela forma de falar, diferente das demais variedades encontradas no país e em Portugal, estava, naquele momento, em vias de extinção e que não sobreviveria por muito tempo.

Segundo palavras do autor, o caipira tornar-se-ia, de dia em dia, mais raro e só com dificuldade poder-se-ia, em futuro breve, encontrar um representante genuíno da espécie.

Após 90 anos de publicação do livro de Amaral, retomamos o que fora apontado pelo autor como característico do falar caipira e, com surpresa e orgulho, constatamos, com base na observação científica da língua falada atualmente na região de Rio Preto, que aquelas peculiaridades, condenadas à extinção, sobrevivem não só na boca dos mais humildes, mas também de pessoas mais escolarizadas do interior do Estado.

E mais, características, como nosso “erre caipira”, particulares de indivíduos que Amaral chamou de “genuínos caipiras, roceiros ignorantes e atrasados”, espalharam-se por quase todo o estado e nos destacam e nos qualificam como moradores do interior paulista, um território que era antes considerado a “boca do sertão”, local econômica e culturalmente isolado, mas que hoje ostenta pujança econômica e social, e qualidade de vida pouco experimentadas em outras regiões brasileiras e internacionais.

Nosso dialeto caipira não mudou. O que mudou foi nosso status social e econômico perante o restante do país. Os “caipiras modernos” preservaram os antigos costumes, dentre eles, o dialeto, e honraram a memória de seus antepassados, mas não deixaram de evoluir e fizeram deste pedaço de chão um local de causar inveja a qualquer “moço da cidade grande”.

domingo, 12 de setembro de 2010

O “seu” e o “teu” no português

Na versão impressa deste texto, publicada no jornal Bom Dia de 12 de setembro, leia-se possessivo em lugar de demonstrativo.


          No português padrão, aquele das gramáticas, há correlação exata entre  pessoa do discurso e pessoa gramatical. Para a primeira pessoa, quem fala, formas verbais de primeira pessoa, para a segunda pessoa, com quem se fala, formas de segunda pessoa, para a terceira pessoa, de quem se fala, formas de terceira pessoa. Há também relação direta entre essas pessoas e os respectivos pronomes possessivos: “meu” para a primeira pessoa, “teu” para a segunda e “seu” para a terceira.
            Acontece que, por alterações do quadro pronominal do português, ocasionadas pela inclusão de novas formas, não há mais exata correlação entre cada uma das pessoas do discurso e respectivas pessoas gramaticais. A forma de tratamento “vossa mercê”, por exemplo, originou o pronome pessoal de segunda pessoa do discurso, “você”, que substituiu o “tu” e que se utiliza de conjugações da terceira pessoa gramatical, como “ele/ela”. Além disso, o pronome “você” é usado com o possessivo de terceira pessoa “seu”. O mesmo utilizado com os pronomes de terceira pessoa “ele” e “ela”. Conclusão: pode haver ambiguidade no uso de “seu” na linguagem falada e escrita.
            Veja um exemplo real: Um gerente de banco enviou um recado a seu funcionário: “Caro Fulano, o senhor Sicrano, da Diretoria, ligou e disse que seu empréstimo não pode ser aprovado. Por favor, tome providências urgentes para regularizar a situação. Obrigado”.  
            Pois bem. Quem está com problemas? O funcionário ou o membro da Diretoria? Se nos pautarmos nas regras gramaticais, o segundo; se considerarmos o uso real, o funcionário. Aliás, este só descobriu que não tinha problemas no limite, após acessar sua conta.
            Uma estratégia usada para desfazer essa ambibuidade é o uso do pronome “dele” como possessivo de terceira pessoa. Uma solução não prescrita pela gramática, mas que evita a ambiguidade. É isso. Até a próxima.

domingo, 4 de julho de 2010

Contratam-se pedreiros e precisa-se de azulejistas - versão correta

Na versão impressa, publicada no domingo, lia-se voz ativa em vez de voz passiva analítica. A versão correta segue abaixo:

É muito comum encontrarmos por aí placas do tipo: “vende-se”, “aluga-se”, “compra-se” e “contrata-se”. Seja dito de passagem, a efervescência econômica brasileira, certamente, fará com que esses dizeres sejam ainda mais comuns.

O fato é que, normalmente, os verbos dessas placas sempre aparecem no singular, venham eles acompanhados de termos no singular ou no plural: “Contrata-se pedreiros com experiência”, “Aluga-se quartos”, “compra-se carros usados”. Será que está correto?

O “se”, presente nessas orações, é partícula apassivadora, o que leva a crer que há aí um sujeito que sofre a ação do verbo. Quem sofre a ação de “contratar”, “alugar” e “comprar”? São as palavras “pedreiros”, “quartos” e “carros”. São elas também os sujeitos das orações.

Ainda não está satisfeito? Vamos então “tentar” passar para a voz passiva analítica: “Pedreiros com experiência são contratados”, “Quartos são alugados” e “Carros usados são comprados”. Veja que nada mudou. A ação continua a mesma e o verbo “ser”, nos três casos, está no plural, indicando que, na passiva sintética, os verbos também devem estar no plural: “Contratam-se pedreiros com experiência”, “Alugam-se quartos” e “Compram-se carros usados”.

E como diferenciar casos de passiva sintética dos casos de indeterminação do sujeito, como em “Precisa-se de azulejistas”?

É simples. Nesse caso, a oração não está na voz passiva sintética e, por isso, não é possível passá-la para a voz passiva analítica. Aliás, não existe sujeito que se inicie por preposição. A dica para identificá-las está bem aí: nos casos de indeterminação, em que o verbo fica no singular, há sempre uma preposição após o verbo: “precisa-se de”, “necessita-se de”, “acredita-se em”. Se houver a preposição, o verbo fica no singular e o complemento é objeto indireto.

Na próxima semana voltaremos a tratar do assunto.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Oh pá! Já não falam cá como lá!

Uma longa conversa com um legítimo português me inspirou a escrever o texto desta semana, que não poderia deixar de ser sobre as diferenças que a nossa língua, o português brasileiro, tem em relação ao português de Portugal.

Nosso modo de falar se diferencia do modo lusitano em todos os níveis, desde o fonético até o semântico. A maior distinção entre as variedades do Brasil e de Portugal, contudo, pode ser encontrada no léxico.

Por exemplo, em Portugal não se toma café-da-manhã, farta-se com um pequeno-almoço. Não se pega um trem ou um ônibus, toma-se um comboio ou um autocarro. Lugar é chamado de sítio. Giro significa divertido, elegante, bonito e inteligente. Se o lugar é divertido, diz-se, então, que o sítio é giríssimo. Lá, os alunos não reprovam de ano, mas ficam chumbados. As crianças são chamadas de miúdos. Para se referir à juventude usa-se a expressão miudagem. A mulher se refere ao marido como meu homem. Velório pode ser chamado de velatório. Não se colocam as coisas, metem-se. Há lá ainda quem chame o colégio de liceu. Não se toma banho no banheiro e sim na casa de banho. Aliás, a palavra banheiro, em Portugal, é usada para se referir aos salva-vidas. O pão do tipo bisnaga é chamado de cacete. Não se praticam esportes, praticam-se desportos. Se aqui o carro é conversível, lá ele é descapotável.

O famoso gerúndio, usado em profusão no português brasileiro, não é muito empregado em Portugal. Uma operadora de telemarketing lusitana diria: “Senhor vou estar a efetuar o vosso cadastro e estar a cancelar vosso serviço”.

Com tantas diferenças há quem diga que é preciso se recorrer a um explicador, que no Brasil nada mais é do que professor particular. É isso. Até a próxima.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

BLOG NO JORNAL BOM DIA

ACESSE MEU NOVO BLOG NO PORTAL DO JORNAL BOM DIA
http://blog.redebomdia.com.br/blog/rubio/

terça-feira, 20 de abril de 2010

Eu ‘gosti’

Por sugestão de uma leitora, nesta semana, voltaremos a tratar da aquisição da linguagem. O tema, recentemente, foi explorado por um comercial de TV de um famoso achocolatado em pó. Nele, um garotinho, após se negar, insistentemente, a comer legumes, experimenta o produto e diz à mãe: “Eu gosti”.

A impressão inicial, ainda compartilhada por alguns pais e professores, a respeito dessa construção, é de que a criança que a produziu possui algum problema, o qual deve ser rapidamente corrigido, para que não haja prejuízos no futuro.

Contudo, se analisarmos melhor a produção, veremos que essa impressão é equivocada e ignora a capacidade de pensar da criança, alguém que aprende por meio de experiências que, embasadas em lógica, podem ou não dar certo.

Durante os primeiros anos de vida, o ser humano tem três necessidades básicas: comer, beber e dormir. Esses três verbos, naturalmente, estão muito presentes no vocabulário dos pais e parentes próximos.

Quando observamos a conjugação desses verbos e de grande parte de outros verbos utilizados no cotidiano da criança, como ‘sair’, ‘ver’, ‘assistir’ e ‘cair’, na primeira pessoa do singular do pretérito perfeito, notamos a regularidade de terminação em ‘i’ (comi, bebi, dormi, saí, vi, assisti, caí). Dessa regularidade, a criança extrai a regra de que a primeira pessoa no passado termina em ‘i’ e a ‘fórmula’ é aplicada para outros verbos de seu vocabulário, os quais ela nunca ouviu em primeira pessoa e no passado. Constrói, então, orações do tipo: “Eu gosti”, “Eu fazi”, “Eu di”. Orações que provam que o indivíduo em formação não é “um espelho” ou “uma esponja”, como se afirma por aí. Muito mais do que isso, é sinal de raciocino e criação. É sinal de que tudo vai bem.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

“Excelênte” negócio

A inspiração para o texto desta semana vem de um comercial daqueles famosos canais de vendas da TV aberta. Lia-se em grandes letras, na parte inferior da tela: “Excelênte” negócio, com acento circunflexo no terceiro ‘e’ de excelente. O problema ortográfico é muito comum e observado com grande frequência em textos escritos.

A falha está na concepção de que, se na palavra excelência há acento, em suas derivadas também haverá acento. O mesmo ocorre, por exemplo, com palavras como frequência e frequente, inteligência e inteligente, juiz e juízes, hífen e hifens. No português, as palavras são acentuadas em relação a sua terminação e não em relação a seu significado. Não é porque uma palavra possui acento que todas as suas derivadas também possuirão acento.

Vejamos os casos acima: Excelente é uma paroxítona (palavra que possui a penúltima sílaba tônica) terminada em ‘e’, por isso não leva acento. Lembre-se, se as oxítonas (palavras que possuem a última sílaba tônica) terminadas em ‘e’ são acentuadas, as paroxítonas não serão. Excelência, apesar de possuir a mesma raiz e também ser paroxítona, é terminada em ditongo, por isso é acentuada. Terminação diferente, regra diferente. O mesmo ocorre com inteligência e inteligente. Juiz é uma oxítona terminada em ‘z’, por isso não leva acento, já juízes é paroxítona e, além disso, possui a sílaba “forte” é formada por um hiato em ‘i’. A regra diz que os hiatos em ‘i’ e ‘u’ devem ser acentuados. Isso explica porque juízes leva acento e juiz não.

Com as palavras hífen e hifens, até mesmo o corretor ortográfico do Word se engana, veja você mesmo. A palavra no singular é terminada em ‘en’ e a palavra no plural termina em ‘ens’. As duas são paroxítonas, mas a regra prescreve que somente as paroxítonas terminadas em ‘en’ serão acentuadas. Vale a dica: para saber se uma palavra é acentuada ou não, é necessário observar terminação e sílaba tônica, além de conhecer as regras gerais de acentuação. É isso.

sábado, 3 de abril de 2010

Terçol no olho

Esta semana, ao apresentar um participante do programa de perguntas e respostas do SBT “1 Contra 100”, o apresentador Roberto Justus disse o seguinte: “O personagem João Plenário retorna novamente ao programa”. Note que não há na oração nenhum problema relacionado aos aspectos morfológicos ou sintáticos da língua. Não há desvios de concordância e também não há problemas de regência, já que o verbo “retornar” pode ser usado com a preposição ‘a’ (retornar a algum lugar).

O problema evidenciado é de ordem semântica, ou seja, tem relação com o sentido dos termos selecionados. Note que Justus utiliza “retornar”, que tem a significação de tornar novamente, já que o prefixo latino re- adiciona ao verbo a ideia de repetição, como em reeditar (editar novamente), reafirmar (afirmar novamente), recomeçar (começar novamente). Até aí, nenhum problema. Ocorre, porém, que, além do verbo retornar, há o emprego do advérbio “novamente”, que também significa “outra vez” ou “de novo”. Houve uma redundância, chamada de pleonasmo. Dizer que alguém “retorna novamente” é o mesmo que dizer que “O homem subiu para cima” ou que “O cachorro comeu a comida”. O problema seria facilmente resolvido com o apagamento do advérbio ou com a troca do verbo: “O personagem João Plenário vem novamente ao nosso programa” ou “O personagem João Plenário retorna ao nosso programa”.

O caso lembra a piada de um amigo:

Um sujeito muito simples volta do médico e o compadre pergunta: “O que é isso no olho, Zé?” Zé responde: “Estou com ‘terçol no olho’, João”. João, sabendo que a doença aparece somente nos olhos, retruca: “’Terçol no olho’ é pleonasmo”. Outro amigo se aproxima e faz a mesma pergunta: O que é isso aí, Zé? E o Zé conclui sabiamente: “Já não sei mais! O médico disse que é terçol, mas o João falou que é pleonasmo!”.

quinta-feira, 25 de março de 2010

Por que tantos porquês?

Fui questionado sobre o motivo de tantas formas diferentes de escrita da palavra porquê (por que, por quê, porque, porquê). Na verdade, apesar de todos os porquês apresentarem pronúncia idêntica, cada um deles possui forma diferente, a depender de sua posição e de sua função na oração.

A primeira das funções desempenhadas é a de substantivo. Para sabermos se o porquê a ser usado “escreve-se junto” e com acento, é só guardar uma regrinha simples: basta ele vir acompanhado de um artigo (o(s), um(ns)), um pronome adjetivo (meu(s), esse(s), quanto(s)) ou um numeral, como em: “Não sei o porquê de tanta confusão.” Essa forma é usada também quando usamos metalinguagem, ou seja, quando falamos da própria língua, como nesse texto.

A segunda função desempenhada é a de conjunção causal, explicativa ou final. Lembre-se: o importante é utilizar corretamente as formas. A nomenclatura fica em segundo plano. “Porque” sem acento e “junto” é usado, geralmente, para responder uma questão. É possível substituí-lo por “pois”. Vejamos: “A bolsa caiu porque as exportações diminuíram”.

“Por que” sem acento e “separado” é a junção de preposição (por) e pronome (que) e é usado, geralmente, em perguntas, com significado de “Por qual razão, motivo”. Exemplo: “Por que o trânsito está cada vez mais caótico?”. É usado também em respostas, podendo ser substituído por “pelo qual”, como em: “Não sei por que motivo o trânsito está lento.” Nesse caso, não é possível substituí-lo por “pois”.

“Por quê” acentuado e “separado” é usado no final de orações e significa, como a forma anterior, “por qual motivo” ou “por qual razão”. Vejamos o exemplo: “O dólar caiu novamente? Por quê?” ou “O governador não gostou dos aplausos, por quê?” É isso.

Nenhuma das vítimas ficou ou ficaram ferida(s)?

Quando tratamos da concordância verbal, poucas são as dúvidas, para os casos de sujeito simples, formado por um único elemento. Se está no singular, o verbo permanece, naturalmente, no singular. Se o sujeito é plural, o verbo vai para o plural. Importante lembrar que tratamos aqui da linguagem escrita formal e não da língua falada em situações informais. O intuito da coluna é expor e discutir as regras gramaticais, muito cobradas em concursos públicos.


As dúvidas se iniciam quando o sujeito vem representado por mais de uma palavra, o que pode confundir o produtor do texto. Por exemplo, se o sujeito tem como núcleo um pronome interrogativo ou indefinido no singular, o verbo ficará no singular, ainda que o complemento desse pronome esteja no plural. Vejamos: “Nenhuma das vítimas ficou ferida no acidente.” ou “Qual de vocês irá me ajudar?”.

Para a regra de concordância com expressões de porcentagem, nem mesmo nas gramáticas há um consenso, contudo, o mais usual na imprensa, recomendado inclusive por Evanildo Bechara, gramático e linguista da Academia Brasileira de Letras, é que o verbo concorde com o termo preposicionado que segue e especifica a referência numérica. Por exemplo: “80% da população do município não sabe em quem votar.” ou “80% dos habitantes não sabem em quem votar.”

Se o sujeito da oração é representado por expressões como “a maioria de”, “a maior parte de”, “grande parte de” e um nome no plural, o verbo pode ficar no singular ou ir para o plural, contudo o verbo no singular é mais usual. “A maioria das pessoas votará (ou votarão) com consciência.”. Grande parte dos políticos age (ou agem) com seriedade.”. Se o nome que precede a expressão estiver no singular, obrigatoriamente, o verbo fica no singular, como em: “A maioria da população vota com consciência.”.

Até a semana que vem.

terça-feira, 16 de março de 2010

Próclise, ênclise ou mesóclise?

Uma leitora enviou-me pelo blog uma dúvida a respeito de colocação pronominal e julguei que o tema seria relevante para figurar no texto desta semana. A primeira questão a considerar quando tratamos da colocação pronominal é destacar a enorme diferença entre as regras das gramáticas, que devem ser seguidas na escrita formal, e a norma (no sentido de normal, usual) da língua falada no Brasil. Obviamente não vamos exigir que um brasileiro de qualquer parte do país deixe de dizer “Me dá a batata.” e passe a usar a forma “Dá-me a batata.”.

Há várias regras a seguir, trataremos das principais. O pronome assume três posições: antes do verbo (próclise), depois do verbo (ênclise) e no meio do verbo (mesóclise). Essa última posição somente é usada com formas verbais do futuro do presente e do futuro do pretérito, ambas no indicativo. Por exemplo: “Dar-te-ei o presente amanhã” ou “Esperar-lhe-íamos até o sol raiar.”.

Normalmente, não se inicia oração por pronome átono. Se o verbo é primeiro elemento da oração, o pronome vem depois: “Deixe-me sozinho agora.”. Também não se deve usar pronome após a vírgula. Vejamos: “Neste país, leva-se vantagem em tudo.”

Quando o verbo é precedido de partícula negativa, como “não”, “jamais”, “nada”, “nunca” etc., normalmente, usa-se a próclise (pronome átono antes do verbo), pois essas partículas “atraem” o pronome. Por exemplo: “Não se deve votar em corrupto.” ou “Nunca me disseram essas besteiras.”. Pronomes indefinidos, como “alguém”, “tudo”, “todos” etc., pronomes interrogativos, como “quem”, “quando”, “como” etc. e advérbios, como “sempre”, “amanhã”, “ontem” etc., também atraem o pronome. São exemplos: “Alguém lhe pediu ajuda?” , “Quanto lhe ofereceram pela casa?” ou “Sempre me dizem a mesma coisa.”.

Para casos em que não há qualquer indicação, é comum o uso da ênclise, contudo o escritor pode seguir seu próprio estilo. Até a próxima semana.

sábado, 6 de março de 2010

Frase, oração e período

Há duas semanas, em uma conversa informal com alguns alunos do primeiro semestre do curso de Letras, recebi o seguinte questionamento: “Qual a diferença entre frase, oração e período?”. Para minha surpresa, a dúvida não era somente de um dos alunos, mas de todos os presentes. A maioria alegava que ao longo do ensino fundamental e médio muitas foram as definições para esses termos.

Vamos à definição mais usual: Frase é um enunciado formado por uma ou mais palavras que transmitem informação completa, podendo ou não possuir um verbo. Para que se tenha uma frase, basta que haja sentido completo. Podemos ter frases formadas apenas por uma palavra, como: “Socorro” ou “Atenção!”; ou por várias palavras, com ou sem verbo, como: “Camisinha é bom para você e para seu parceiro.”. Chamamos de oração a frase ou parte da frase que se estrutura em torno de um verbo, como em: “Não fume” ou “Não beba ao volante”.

Não é a quantidade de palavras que importa na classificação e sim o verbo. Se há verbo, tem-se uma oração. Se não há, tem-se apenas uma frase. Podemos ter uma frase com várias palavras. Por exemplo: “Álcool e drogas, uma mistura fatal para o ser humano” é uma frase, pois não possui verbo, mas “Corra!” é uma oração, porque possui verbo.

A definição de período também é utilizada em função dos verbos. Se a estrutura possui um único verbo, temos um período simples, como em: “Álcool faz mal à saúde.”. Caso a estrutura possua mais de um verbo, chamamos o período de composto. Por exemplo: “Dirigir após beber pode fazer mal à saúde de quem você encontra pela frente.”. Nesse caso, temos cinco verbos e, consequentemente, cinco orações, que formam um período composto. É isso. Até a próxima semana.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Cervejinha ou cervejão?

Uma conhecida marca de cervejas tem explorado, em seus comerciais veiculados na TV, diferenças de significação entre “-inho” e “-ão”, tradicionalmente conhecidos como sufixos de grau diminutivo e aumentativo.

A maioria das gramáticas escolares afirma apenas que a adição do sufixo “-inho” às palavras traz ideia de diminuição, como em buraquinho e casinha. Afirmam ainda que o sufixo “-ão” atribui ideia de aumento, como em buracão e casão ou casarão.

Esses sufixos, entretanto, podem acrescentar outros significados às palavras com as quais se unem, além de aumento e diminuição. O uso da língua no dia a dia sugere muitas outras significações, tanto para “-inho” quanto para “ão”.

Em orações como: “Você é meu amorzinho”, “Eu detesto essa gentinha que joga lixo nas ruas”, “Minha mãezinha infelizmente não está mais comigo” ou “Venha rapidinho para cá”, o acréscimo do sufixo às palavras sinaliza afetividade ou depreciação. Não há, em nenhum dos casos, o sentido de diminuição. “Gentinha” e “mãezinha” não remetem, necessariamente, a pessoas com baixa estatura.

Com o sufixo “-ão”, o mesmo ocorre. Nas orações e frases: “Hoje tem um jogão na TV”, “Comprei um carrão nessa semana”, “Que mulherão, hein!”, “Esse é meu paizão” não ocorre adição do significado de aumento, pelo simples motivo do uso de “-ão”. Nessas sentenças, o que se acrescenta é a ideia de qualidade. O “jogão” teve apenas 90 minutos, como os demais. A mulher, taxada de mulherão, não tem 2 metros de altura e 120 quilogramas, apenas se destaca pela beleza.

No caso da cerveja, nem “-inha”, nem “-ão” trazem ideia depreciativa ou de diminuição. Podemos tomar nossa cervejinha habitual ou experimentar o cervejão. Até a próxima semana.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Quando usar este, esse ou aquele

No início deste mês, um grande site de notícias veiculou a manchete: “Comerciantes afirmam que carnaval desse ano será melhor do que do ano anterior”. Provavelmente os comerciantes não erraram e faturaram um bom dinheiro nos cinco dias de folia. Quem se enganou foi o site, ao utilizar o pronome “desse”, para indicar algo que ainda não se encerrou (2010). Vejamos a regra.
Os pronomes demonstrativos “este”, “esse” e “aquele” e suas combinações são usados para marcar posição no espaço, no texto e no tempo. No espaço, indicam a distância de algo ou alguém em relação a quem fala. Por exemplo: “Este carro em que estou é melhor que esse em que você está e pior que aquele que vendi.”. Usa-se “este” para o veículo que está próximo do falante, “esse” para o que está próximo do ouvinte e “aquele” para o que está distante dos dois.
Para marcar a posição no texto, usa-se “esse”, “essa” e “isso” para o que já foi expresso e “este”, “esta” e “isto” anunciam algo que será dito. Por exemplo: “Esta é uma verdade irrefutável: o automóvel anterior era mais econômico. Isso você não pode negar.”. É possível se usar também “este(a)” e “aquele(a)” para se referir a dois nomes ou duas ideias do texto. “Este(a)” remete à mais próxima e “aquele(a)”, à mais distante. Vejamos: “Ao comparar o automóvel e a motocicleta, concluí-se que esta é mais barata do que aquele”.
Quando marcam posição no tempo em relação ao falante, “este”, “esta” e “isto” marcam sempre presente e “esse”, “essa” e “isso” marcam passado próximo. “Aquele”, “aquela” e “aquilo” marcam passado distante. A forma correta da manchete seria: “Comerciantes afirmam que carnaval deste ano será melhor do que do ano anterior”, pois “deste ano” refere-se a 2010. Até a próxima.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Por que seiscentos é com ‘sc’ e setecentos não?

É comum a confusão das crianças com numerais cardinais da língua portuguesa, seja no momento de aquisição da linguagem, ou mesmo no período escolar, na aprendizagem da escrita. Essa semana, ao observar uma criança de quatro anos brincando com o pai, notei algo curioso. Quando a sequência de contagem chegava próxima ao número vinte, ouvia-se: ...dezoito, dezenove, “dezevinte”. Note que há nesse “equívoco” uma lógica interessante, pois os quatro números anteriores da sequência se iniciam por dez (dezesseis, dezessete, dezoito, dezenove). Por analogia, o próximo número deveria se iniciar da mesma forma.
Essa confusão também se estende à escrita, pois é comum haver dúvida se um número é escrito com ‘z’, com ‘s’, com ‘ss’ ou com ‘sc’. Se recorrermos à lógica para explicar a composição de alguns numerais, é provável que nunca mais as crianças apresentem esse tipo de dificuldade.
Observe, por exemplo, os números citados acima: dezesseis é 10+6, ou dez e seis (como em português um ‘s’ entre vogais tem som de ‘z’, dobramos os esses na junção e temos dezesseis). O mesmo ocorre com dezessete (10+7, ou dez e sete, = dezessete). Com dezoito, temos: 10+8, ou dez e oito. Nesse caso, há uma vogal iniciando o segundo número, portanto elimina-se o ‘e’ (desnecessário, já que o padrão normal da língua portuguesa é consoante + vogal) e temos dezoito. Para o dezenove, unimos dez e nove (10+9) e surge dezenove.
Com múltiplos de cem, que também geram confusão na escrita, o critério é o mesmo. Por exemplo, quatrocentos (4x100 = quatro centos), seiscentos (6x100 = seis centos), setecentos (7x100 = sete centos), oitocentos (8x100 = oito centos), novecentos (9x100 = nove centos). Veja que seiscentos é com ‘sc’ porque seis é o único dos números acima que termina com ‘s’.
Ao recorrermos a esse método, elimina-se a incerteza quanto à escrita de numerais como dezesseis e seiscentos. Até a próxima semana.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Mãe pobre, filha nobre

Ao tratarmos da história das línguas românicas, afirmamos anteriormente que o latim é a língua-mãe do português. O que se desconhece é que a língua portuguesa não se deriva do latim clássico, aquele falado pelos grandes oradores, poetas e filósofos, como Horácio, Virgílio e Sêneca, mas sim de um latim simplificado e prático, o latim vulgar - vulgo significa povo, portanto latim do povo, daí vem o verbo divulgar, tornar público. Era esse latim que se usava nas províncias romanas conquistadas. Províncias essas onde iriam surgir línguas, como a espanhola, a italiana, a francesa, a portuguesa e muitas outras. É claro que houve um longo período de transformação até que surgissem essas línguas.
Para podermos entender a diferença entre o latim clássico e o latim vulgar, poderíamos tomar, grosso modo, a comparação que hoje fazemos entre o português padrão, aquele das gramáticas escolares e da literatura clássica e o português não-padrão, da linguagem popular ou coloquial, usado no dia-a-dia.
Durante o período de expansão do Império Romano, certamente, um romano de alta linhagem deveria achar o latim vulgar, que deu origem a nossa língua, um latim “feio e errado”, exatamente como muitos pensam a respeito do português coloquial. É algo a se considerar. Que fique claro que não há qualquer intento de apologia ao português popular. Apenas destaco a importância de não se desprezar a língua do povo, a língua viva, que não para de se modificar e de ser reinventada. A mudança sempre ocorreu, tentar impedi-la é o mesmo que tentar barrar o crescimento de uma criança.
Ah! Para quem ainda tem dúvidas sobre o parentesco das línguas modernas, vai aqui um exemplo: em francês temos arriver (chegar), em italiano, arrivare (chegar), em espanhol, arribar (chegar), em inglês, arrive (chegar) e em português arribar (chegar), este último, apesar de pouco usado, figura em nossos dicionários.
É isso. Até a próxima...

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Decapitar não deriva de captar

O BOM DIA São José do Rio Preto noticiou, nessa semana, que um homem decapitou esposa e duas filhas, em um bairro da cidade. A manchete estampada na primeira página do jornal foi a seguinte: “Homem decapita mulher e 2 filhas no Solo Sagrado”.
Na manhã seguinte, a redação do jornal recebeu e-mails e telefonemas que questionavam a conjugação do verbo decapitar utilizada pelo jornal. Para alguns, faltava acento e a forma correta seria decápita. Para outros, havia um erro de ortografia e o correto seria decapta.
Vamos esclarecer a questão. Decapitar vem do latim “decapitare” e significa, em português, degolar, cortar a cabeça. Esse verbo se origina da união do termo latino “caput”, que significa cabeça, com o prefixo “de”, que, nesse contexto, acrescenta o significado de separação ou de tornar sem. Vejamos outras palavras: decodificar = tornar sem códigos, decompor = separar componentes.
A confusão dos leitores pode ter sido gerada pela falsa impressão que decapitar deriva de captar, que também tem origem latina e vem de “captare”; em português, colher, apanhar, compreender.
Captar, no presente, se conjuga da seguinte forma: eu capto, tu captas, ele capta, nós captamos, vós captais, eles captam. Decapitar é conjugado assim: eu decapito, tu decapitas, ele decapita (com a penúltima sílaba tônica – ‘pi’), nós decapitamos, vós decapitais e eles decapitam. Nos tempos do Brasil colônia, havia um imposto cobrado dos proprietários de terras, em relação ao número de “cabeças” de escravos, denominado Capitação (com i), A palavra é derivada de caput e não do verbo captar, daí ser escrita com ‘i’. Captação sem ‘i’, vem do verbo captar e, por isso, pode ser usada em frases como: “O sistema de captação de água não suportou a chuva forte.”. De “captar” vem também o verbo “catar”, muito usado na comunicação oral. É isso. Até a próxima semana.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Quando usar sessão, cessão, seção ou secção

Nessa semana, recebi, por e-mail, uma dúvida a respeito das palavras de mesma pronúncia empregadas na seguinte oração “A sessão da Câmara tratou da cessão do terreno para a criação da seção de trânsito no município”. O leitor questionava-me sobre as diferentes formas de escrita das palavras sessão, cessão e seção.
Vocábulos que possuem mesma pronúncia, como os da oração, são chamados de homófonos (homo = igual / phonos = som). Quanto à grafia, esses mesmos vocábulos possuem significados e origens diferentes no latim e, por consequência, possuem grafias diferentes em português, ou seja, são heterógrafos (hetero = diferente / grafo = escrita).
Sessão vem do latim sessione e tinha como significado o ato de assentar-se. Hoje a palavra é usada para se referir à reunião de pessoas em ambientes como cinemas, plenários, clubes etc. Cessão vem de cessione, que, por sua vez, vem do verbo cedere (ceder em português), que significa transferir os direitos ou a posse a outro. O terceiro vocábulo, seção, origina-se de sectione e é usado hoje em dia para se referir às divisões ou partes de um todo, ou, ainda, aos setores ou divisões de órgãos públicos. É possível se usar a variação ortográfica secção, que possui exatamente o mesmo significado e consta no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa.
Assim, recorrendo à origem dos vocábulos, é possível explicar as diferentes grafias de palavras que possuem hoje exatamente a mesma pronúncia.
Quanto à oração apresentada, ao considerarmos o sentido de cada uma das palavras, pode-se “traduzi-la” da seguinte forma: “A reunião da Câmara tratou da transferência de posse do terreno para a criação da divisão de trânsito do município”. É isso. Até a próxima.

“Abrido”, “cobrido”, “escrevido” Será que essas formas existem?

Alguns verbos possuem formas duplas de particípio. Além da forma regular, com final –do, como em imprimido, há também outra forma, irregular, advinda do latim, como em impresso.
A forma regular, geralmente, é usada em tempos compostos com os verbos auxiliares ter e haver e a forma irregular, usada com os verbos ser, estar e ficar, na voz passiva. Por exemplo, para o verbo imprimir, é possível se dizer: “Eu havia imprimido o trabalho ontem, portanto, hoje, o trabalho está impresso”. Para o verbo aceitar, diz-se: “Apesar do patrão ter aceitado as desculpas, ele não foi (verbo ser) aceito de volta no emprego”. O mesmo princípio vale para os demais verbos com duas formas de particípio, como acender (acendido/aceso), corrigir (corrigido/correto), entregar (entregado/entregue), fritar (fritado/frito), incluir (incluído/incluso), morrer (morrido/morto), pegar (pego/pegado), salvar (salvado/salvo), secar (secado/seco), segurar (segurado/seguro), soltar (soltado/solto), suspender (suspendido/suspenso). Os verbos ganhar, gastar e pagar, apesar de possuírem a forma regular, são, comumente, usados na forma irregular de particípio, tanto com os auxiliares ser e estar, quanto com ter e haver (ganho, gasto e pago). Os verbos abrir, cobrir e escrever possuem somente a forma irregular (aberto, coberto e escrito). “Abrido”, “cobrido” e “escrevido” não figuram no dicionário. É importante lembrar que a maioria dos verbos possui apenas a forma regular de particípio, com –do no final. É o caso do verbo chegar, que possui apenas a forma chegado. “Chego” não pode ser usado como particípio. Até a próxima.

Não confunda Paraná (PR) com praseodímio (Pr)

Nessa semana, recebi um e-mail que questionava a abreviatura utilizada na manchete do BOM DIA - São José do Rio Preto de quinta-feira, “Família fica 40h na fila para comprar máquina de lavar”. Para o leitor, a forma abreviada de horas, seria ‘hs’ e não apenas ‘h’.
O uso de abreviaturas é regulamentado pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Para hora ou horas, a forma correta é apenas a letra ‘h’. Da mesma forma, a abreviatura de metro(s) é somente a letra ‘m’, de litro(s), a letra ‘l’, de grama(s), a letra ‘g’, de tonelada(s), a letra ‘t’ (aliás, “ton.”, comumente usado em placas, segundo a ABNT, é a abreviatura de tonel).
As medidas acima, quando multiplicadas por mil, recebem, antes das letras g, l e m, a letra ‘k’ minúscula, que sinaliza mil vezes. Por exemplo, kg (quilograma = mil gramas), km (quilômetro = mil metros), kl (quilolitro = mil litros). É importante notar que a abreviatura é escrita com ‘k’, mas a palavra é escrita com ‘qu’.
Para simbolizar a divisão das medidas (g, m, l) por mil, acrescenta-se ‘m’ antes da letra: mg (miligrama = grama dividido por mil), mm (milímetro = metro dividido por mil), ml (mililitro = litro dividido por mil).
É comum encontrarmos abreviaturas grafadas de forma incorreta. Lit., por exemplo, não é abreviatura de litro, mas, de literatura; gr. pode significar grão, grosa ou grau, nunca grama. Metr. é a forma abreviada de Metrologia.
A discussão me fez recordar um fato interessante relatado por um professor de Química. Segundo ele, em um congresso da área, um renomado pesquisador propôs uma palestra intitulada “A importância do Pr na indústria mundial”. Curioso e imaginando que o “Pr” queria dizer Paraná (estado brasileiro), o professor assistiu a toda palestra e, ao final, surpreso, descobriu que “Pr” era a abreviatura de praseodímio, elemento químico de número 59 da tabela periódica, usado em ligas metálicas. Que decepção! Até a próxima.

Começa a guerra do Paulistão

Uma conhecida marca de cerveja brasileira tem veiculado a ideia de que os jogadores de futebol são verdadeiros guerreiros. Um dos principais ícones da campanha é o corintiano Ronaldo, considerado um grande lutador dentro e fora dos gramados.
A comparação entre guerra e futebol não é recente, ao menos se considerarmos o vocabulário usado por narradores, jogadores, técnicos e torcedores brasileiros. Vejamos.
Tudo se inicia na concentração, onde o comandante abre mão de sua experiência em confrontos anteriores para armar seus combatentes. Já no início do duelo, o treinador lembra que vencer a batalha é importante para não morrer na praia. Nessa hora, são importantes as estratégias ofensivas e defensivas, a proteção dos setores vulneráveis e a disciplina.
Em campo, os jogadores, com bravura, têm a missão de derrotar o oponente. Os atacantes e, entre eles, o grande artilheiro, têm a função de atingir a meta do adversário. Por descuido do arqueiro ou da defesa, o ponta de lança pode cruzar a área adversária e passar para o matador furar o bloqueio. Os desarmes são fundamentais no combate.
Para que a bomba do rival não atinja o objetivo, o importante é posicionar bem a barreira. Tem barreira que é uma verdadeira muralha. No caso de bombardeio do inimigo, o jeito é apelar para o contra-ataque, que pode ser mortal, se for feito pelos flancos. Aí é só fuzilar a retaguarda do opositor e correr para abraçar o capitão. O responsável pela vitória vira um herói e tem direito de beijar seu escudo diante da multidão. É nesse momento que o grito de guerra da torcida toma conta da arena, numa explosão de alegria. Pois é, confronto, combatentes, batalha, artilheiro, atacante, defesa, matador, felizmente, são apenas metáforas do futebol. Nessa guerra, travada no gramado, durante 90 minutos, ninguém morre. Que comece o Paulistão 2010!

O eufemismo do ministro Jobim

Há alguns dias, referindo-se à tragédia causada pelo terremoto do Haiti, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, afirmou o seguinte, em relação aos brasileiros não encontrados: “Evidentemente que a palavra ‘desaparecido’ aqui funciona como um eufemismo.”.
O eufemismo, a que o ministro se refere, é uma figura de pensamento que consiste na substituição de uma palavra ou expressão com sentido desagradável por outra, com a finalidade de amenizar seu significado.
É comum usarmos eufemismos com o intuito de preservarmos nossa face e não magoar outras pessoas. No trabalho, eles contribuem para uma convivência harmoniosa. Por exemplo, você já disse a sua colega de trabalho que o corte de cabelo, pelo qual ela pagou uma pequena fortuna, ficou horrível? É possível que você tenha pensado isso, mas dito apenas que ficou diferente. Nesse caso, “diferente”, é um eufemismo para horrível. E o filho pequeno do seu chefe? Por mais que você ache que o “capetinha” causa transtorno a todo o ambiente de trabalho, é prudente taxá-lo apenas de esperto, inteligente, curioso, interessado ou precocemente amadurecido. Esse último é um ótimo eufemismo para evitar dizer que a criança é enxerida, intrometida ou mal-educada. O ministro Nelson Jobim foi feliz na escolha do eufemismo “desaparecidos” em lugar da palavra “mortos”. O que chocou foi a revelação de que se tratava de um eufemismo. Seria o mesmo que dizer a um amigo que a nova namorada dele é simpática e revelar, segundos após, que “simpática” é um eufemismo. Além disso, a declaração não soou bem por ser feita prematuramente, já que, dias após a entrevista coletiva, pessoas ainda são encontradas com vida em meio aos escombros. Fica a dica. Se usar um eufemismo, não diga que usou. É isso. Até a próxima.

Crase: use com moderação!

Em relação à crase, tenho notado algo intrigante. É mais comum o uso desnecessário do que a falta de uso do acento grave em contextos obrigatórios. Levando isso em consideração, tratarei hoje de alguns contextos em que não se deve usar o acento indicador de crase.
A crase é o fenômeno de contração de duas vogais semelhantes, no caso, dois ‘as’. O caso mais comum de crase é o de preposição + artigo feminino. E aí está uma questão fundamental. Se, para haver a crase, é necessário um artigo feminino, nunca há crase antes de substantivo masculino. Por exemplo, “Dei o livro a João”, “Vou a pé”, “Vou a cavalo”. João, pé e cavalo, são substantivos masculinos.
Da mesma forma, nunca se usa um artigo feminino antes de um verbo no infinitivo e, por consequência, não se usa crase. Por exemplo, “A seguir, cenas dos próximos capítulos” ou “Roupas a partir de um Real”. Também não se usa artigo feminino antes dos dias do mês, portanto, não há crase na indicação de períodos de tempo (por exemplo: promoção especial de 14 a 19 de julho). Alguns pronomes nunca são usados com artigo definido, portanto, não há crase antes desses pronomes. Vejamos: “A quem devo pagar” ou “Envio a você o arquivo”. Note que antes de quem ou você, nunca se usa artigo feminino ‘a’. Se há um pronome indefinido (uma) antes da palavra, não se usa crase, pois não é possível usar juntos pronomes indefinido e definido. Observe: “A briga chegou a uma situação ridícula”, sem crase. Vale ainda a velha dica de realizar a substituição do substantivo feminino pelo equivalente masculino. Se não houver necessidade do acréscimo do artigo masculino junto ao ‘a’, isso indica que, com a palavra feminina, não se usa acento no ‘a’. Por exemplo, caso haja dúvida se o ‘a’ de “Aberto de segunda a sexta-feira” deve ou não ser acentuado (crase), troca-se o sexta-feira (feminino) por domingo (masculino) e tem-se: “Aberto de segunda a domingo”. Como não houve acréscimo de artigo masculino junto ao ‘a’, não há crase na primeira oração. Até a próxima.

Brasil, uma nação de 230 línguas diferentes

É muito comum ouvirmos a orgulhosa afirmação de que o Brasil é uma imensa nação de 180 milhões de falantes de língua portuguesa. Não deixa de ser louvável o fato de pessoas de regiões tão distantes como Sul e Norte conseguirem interagir de maneira satisfatória e compartilhar culturas, ao mesmo tempo, tão diferentes e interessantes.
Em debate dessa semana, no Simpósio Internacional de Letras e Linguística, realizado na Universidade Federal de Uberlândia, o professor emérito da Universidade de Brasília, Aryon Rodrigues, no auge de seus 84 anos, dos quais mais de 60 dedicados ao estudo das línguas indígenas, afirmou que o Brasil possui hoje, aproximadamente, 230 línguas diferentes. Desse total, 200 delas faladas por povos indígenas, que habitam o território em período anterior ao do “descobrimento”. Um número, a princípio, elevado, mas que, se comparado às cerca de 1200 línguas existentes no ano de 1500, demonstra a empreitada portuguesa de submissão do elemento indígena no território brasileiro. Considerando o desaparecimento de aproximadamente 1000 línguas em 500 anos, é possível concluirmos que duas línguas indígenas desapareceram a cada ano.
A dimensão do problema fez com que a Organização das Nações Unidas interviesse junto ao Governo Federal, no intuito de barrar a extinção desse patrimônio imaterial brasileiro. Uma das medidas adotadas foi a inclusão do chamado fator língua no questionário do IBGE, o que permitirá o conhecimento dos locais e indivíduos falantes dessas línguas e, além disso, propiciará a execução de políticas de monitoramento das comunidades indígenas em processo de dissolução. Obviamente, há a necessidade de que outras medidas conservativas sejam tomadas, como a catalogação de inúmeras línguas que ainda não possuem modalidade escrita e que sobrevivem somente na boca de seus poucos falantes. Além disso, não se devem desconsiderar outras dezenas de línguas de origem europeia e asiática, trazidas por imigrantes, que ainda permanecem vivas em algumas comunidades isoladas de todo o Brasil.

O “milagre” da aquisição da linguagem

Aqueles que já tentaram aprender um novo idioma, como inglês, devem ter notado o quanto é difícil compreender os falantes nativos de outra língua ou falar outro idioma. Para os que lograram êxito, aí vai uma pergunta: É possível se tornar fluente em uma nova língua em apenas três anos? Vamos dificultar um pouco. Há possibilidade de se adquirir plenamente essa língua sem frequentar um curso especializado, ou seja, somente pelo contato com falantes nativos do idioma? Impossível?
Na verdade, esse “milagre” ocorre todos os dias, muito perto de todos nós. E com eficácia de aprendizagem de 100%. Não se trata de nenhuma escola de idiomas, com um método inovador e revolucionário. Trata-se apenas da aquisição da língua materna por parte das crianças. Normalmente, em um período de três anos, a criança adquire a língua a que está exposta. E, surpreendentemente, sem frequentar aulas nem cursos. A aquisição ocorre somente pelo contato com falantes da língua, em situações normais do dia a dia. Nem a falta de estímulo dos pais impede a criança de progredir e adquirir a língua materna. E estamos falando de indivíduos de poucos meses, com quase nenhuma experiência de vida.
Um grande linguista, chamado Noam Chomsky, defende, desde a segunda metade do século XX, que a linguagem é uma dotação genética e que, portanto, nós, seres humanos, já nascemos com um conjunto de princípios relacionados à linguagem, todos de natureza universal e, pelo contato com determinada língua, ocorrem confirmações ou negações a respeito do conhecimento inato. Dessa forma, a criança não só repete o que ouve, mas é capaz de produzir frases que nunca ouviu. É possível que você não concorde com essas afirmações, mas, “atire a primeira pedra”, quem tiver uma explicação mais convincente para o prodigioso feito da aquisição da linguagem.
Na semana que vem, continuaremos a falar um pouco mais sobre todo esse processo. Até lá.

Por meio de erros e acertos, a criança evolui

Na semana passada, aludimos à facilidade com que as crianças adquirem a língua de seus pais. O impressionante é que tudo ocorre naturalmente, apenas pelo contato da criança com outros falantes da língua. A “sala de aula” ou “laboratório de pesquisas” desse pequeno aprendiz está em cada experiência do dia a dia.
Esse cientistazinho forma palavras e sentenças com a língua, relacionando algo aqui com outro lá, misturando algo ali e comparando com outro cá, procedendo a uma verdadeira construção da gramática. Por exemplo, quando uma criança diz “eu fazi”, não está simplesmente “falando errado”, está realizando uma complexa analogia. Provavelmente, ela conhece diversos verbos que possuem infinitivo em -er, como beber e comer, e sabe, por experiências anteriores, que esses verbos em primeira pessoa são terminados em –i (bebi e comi), assim, pela lógica natural, um outro verbo que ela não conhece (fazer), deve, como os anteriores, em primeira pessoa, possuir terminação em –i (“fazi”). Em momento posterior, por meio de novas experiências, ela irá aprender que alguns verbos são irregulares e não seguem as regras de conjugação dos demais (fazer – fiz).
Um outro exemplo dessa fantástica habilidade de observar criticamente a língua e seus sons pode ser percebida quando a criança trava contato com os nomes de pessoas. Ao observar que a maioria das mulheres possui nome terminado em ‘a’ e que a maioria dos homens possui nome terminado em ‘o’, assume isso como regra. Ao se deparar com nomes terminados em ‘e’, ‘l’, ‘ar’, ‘i’, como Alexandre, Isabel, Osmar e Keli, é comum a confusão no uso do artigo feminino ou masculino. É difícil, para a criança, conceber que ‘o’ tio Osmar, do sexo masculino, é casado com ‘a’ tia Lucimar, do sexo feminino, pois ambos terminam em –ar.
O mais importante a respeito de todas essas operações é que a criança, ao realizá-las, está raciocinando, relacionando, descobrindo e evoluindo.

A origem de alguns sobrenomes

É possível que você, leitor, já tenha notado que algumas pessoas possuem sobrenomes curiosos, estranhos e engraçados. Qual seria a origem dessas palavras que evidenciam nossa linhagem e denunciam nossa reputação?
Os sobrenomes que hoje carregamos chegaram até nós de diferentes maneiras. A profissão de nossos ancestrais, por exemplo, poderia originar um “apelido” que iria se estender a toda a família. O ator Will Smith, por exemplo, provavelmente teve algum antepassado ferreiro, já que “smith” significa ferreiro em inglês. Da mesma forma, o primeiro ministro espanhol, José Luis Zapatero, possivelmente, descende de uma família que possuía entre seus membros um sapateiro, pois é esse o significado em português de “zapatero”.
Os sobrenomes eram atribuídos também pela localidade onde residia a família. Por exemplo, o presidente Luís Inácio Lula da Silva, certamente, vem de uma família que possuía como residência a floresta, “silva”, em latim. “Os Ribeiro”, em sua origem, residiam próximos a algum rio ou ribeirão.
Se a família se destacava pelo cultivo de algum produto, era possível que a associassem a esse produto. Assim surgiram os sobrenomes Oliveira (azeitona), Pereira (pera), Nogueira (noz e madeira), Figueira (figo).
Era usual também se atribuir sobrenome a uma pessoa por meio do nome do pai. Os filhos de um homem chamado Estevão, por exemplo, eram chamados de Esteves. Da mesma forma, surgiram “os Fernandes” (filhos do Fernando), “os Rodrigues” (filhos do Rodrigo), “os Nunes” (filhos do Nuno), “os Marques” (filhos do Marcos) etc.
Características presentes em um ou mais membros de dada família podiam gerar novos sobrenomes. Rubio, por exemplo, significa louro em espanhol. Da mesma forma, temos “os Moreno”, “os Crespo”, “os Manso”, “os Longo”, “os Pequeno”.
Sobrenomes ligados à religiosidade e às crenças da família também eram frequentes. Assim, tem-se a origem de sobrenomes como Santos, Anjos, Assunção, Espírito Santo, Luz, Jesus.
Obviamente, alguns desses sobrenomes provêm de séculos atrás e é possível que hoje não haja qualquer relação com o significado original. Até a próxima.

Genuflexório? De onde vem isso?

Num bate-papo informal, num dos botecos da cidade, fui questionado sobre a origem das palavras do português. Para um de meus amigos, algumas palavras devem ter sido inventadas por alguém que tinha como objetivo simplesmente tornar a língua mais complicada e rebuscada. O vocábulo que gerou toda a discussão foi genuflexório, que nada mais é do que o estrado utilizado para ajoelhar e orar.
Aparentemente, não há motivo para que o local utilizado para colocar os joelhos se chame genuflexório. Acontece que, às vezes, as aparências enganam. Como se sabe, muitas palavras portuguesas têm sua origem na língua latina. A palavra joelho é uma alteração do vocábulo “genuculu”, do latim vulgar. Este vocábulo origina então genuflexório, local onde se flexionam os joelhos em oração.
A maioria das palavras do português atual sofreu alteração em relação a sua raiz latina. Por exemplo, erva vem do latim “herba”. Note que a palavra não possui mais o ‘h’, e o ‘b’ virou ‘v’. Apesar disso, as palavras derivadas desse vocábulo não se originam da raiz portuguesa, mas da raiz latina, ou seja, para formar derivadas da palavra erva, recorre-se ao termo latino “herba” e, então, tem-se: herbáceo (relativo à erva), herbicida (que mata ervas), herbívoro (que se alimenta de ervas), herbário (coleção de ervas).
Essa regra de formação é mais comum do que se pensa. Vejamos alguns exemplos: povo em português, vem de “populu” em latim. Daí, temos as derivadas população, popular, populoso. A palavra “pane” (pão, em português) origina panificadora, panificação, panificar. De “apicula” (abelha, em português), vem apicultura, apícola, apiário. Portanto, palavras como genuflexório, não foram “criadas” para complicar nossa vida, como disse meu amigo. Na verdade, sua origem pode ser facilmente explicada pela história da língua portuguesa. Até a próxima.

Avaí X Barueri

Ao viajarmos pelo Brasil, é muito comum nos depararmos com palavras de origem indígena, sejam para denominar municípios, rios, bairros, times de futebol ou mesmo para nomear elementos da fauna e da flora brasileiras. A lista é infindável: Avaí, Barueri, Botucatu, Bauru, Jundiaí, Itajaí, Itu, Tietê, Paraná, Paranavaí, Grajaú, Sorocaba, Tanabi, Tatuapé, Itaquera, Jaguaré, Pirituba, abacaxi, cajá, caju, cupuaçu, maracujá, jaguatirica, tatu e milhares de outros vocábulos. Muitos devem estranhar o fato de alguns deles serem acentuados e outros não. Avaí, por exemplo, leva acento, Barueri, não.
É importante lembrar que todas essas palavras, apesar de possuírem origem indígena, seguem hoje as mesmas regras de acentuação de outras palavras do português.
Os vocábulos que possuem a última sílaba tônica (oxítonos), somente devem ser acentuados se terminados em ‘a’, ‘e’, ‘o’ e ‘em’, seguidos ou não de ‘s’. Assim, acentuam-se, por exemplo, Tatuapé, Tietê, Paraná, cajá e maracujá e não se acentuam Barueri, Botucatu, Bauru, Itu, Tanabi, abacaxi, caju, cupuaçu e tatu.
Para os vocábulos que possuem a penúltima sílaba tônica (paroxítonos), tem-se exatamente o contrário, já que NÃO se acentuam os terminados em ‘a’, ‘e’, ‘o’ e ‘em’, seguidos ou não de ‘s’. Dessa forma, Sorocaba, Itaquera, Pirituba e jaguatirica não são acentuados.
Se o vocábulo possui uma sequência de duas vogais em sílabas diferentes (hiato), e a vogal que está isolada é um ‘i’ ou um ‘u’, deve ser acentuado. É o que ocorre em Avaí, Jundiaí, Itajaí, Paranavaí e Grajaú.
É muito comum encontrarmos placas de trânsito em rodovias estaduais e federais que não respeitam as “leis de acentuação”. Não se deixe enganar!

Obrigados nós!

Por culpa da modernidade e da falta de tempo que a acompanha, infelizmente, algumas expressões que denotam cordialidade ou gentileza estão saindo de moda. Palavras simples, como “obrigado” estão caindo em desuso. É possível que, no futuro, elas desapareçam de nosso vocabulário cotidiano. Sinceramente, espero que não.
Em certas ocasiões, esquecemo-nos do bem-estar que um singelo agradecimento pode trazer a quem presta um favor. Aliás, esquecemo-nos até mesmo que “obrigado” significa estar agradecido, dever favor, ser grato.
Para quem quer continuar se utilizando desse gesto de polidez que, em algumas situações, pode abrir grandes portas, aí vão algumas dicas. “Obrigado”, particípio do verbo “obrigar”, em agradecimentos, é adjetivo e deve concordar com quem expressa a gratidão, ou seja, com a pessoa que agradece.
Um homem agradece usando “obrigado”, uma mulher, usando “obrigada”. Se o agradecimento é feito em grupo, o vocábulo vai para o plural. Por exemplo, uma banda composta por mulheres agradece ao público com um “obrigadas” e um time de futebol masculino agradece com um “obrigados”.
Normalmente, alguém fica grato a alguém. Pode-se apontar quem está expressando a gratidão a quem, com o uso do pronome. Diz-se, por exemplo, “obrigado(a) eu” ou “obrigados(as) nós”. “obrigado(a)(s) a você” ou “obrigado(a)(s) a vocês”. Dessa forma, é possível se dizer: “Obrigados nós do BOM DIA a vocês leitores”. Note que “obrigado você” é inadequado, pois quer dizer que quem está grato é quem ouve e não quem fala. É isso. Obrigado e até a próxima.

Para mim ou para eu fazer

Um leitor me enviou um panfleto de um condomínio da cidade, questionando o uso do “para mim” no seguinte período: “Para mim, morar em condomínio fechado é maravilhoso”. Afirmava ele, perplexo, que aprendeu há muito tempo, que antes de verbo no infinitivo sempre se usa “para eu” e não “para mim”.
Na verdade, não se trata somente de haver um verbo depois do pronome. A questão é observar qual a relação entre esse pronome e o verbo. No exemplo citado pelo leitor, “mim” não é o sujeito do verbo. A vírgula, inclusive, garante isso, já que não se deve usar vírgula entre o sujeito e o verbo. O “para mim” é somente um complemento do verbo, que foi deslocado para o início da oração. É possível colocá-lo ao final da oração: “Morar em condomínio fechado é maravilhoso para mim”. Um exemplo semelhante foi usado por um professor de português, em uma entrevista na TV. Disse ele: “É um prazer, para mim, estar no programa”. Aqui, houve também uma inversão da ordem e o “para mim” é complemento do verbo e não sujeito. Era possível ele dizer “Para mim, estar no programa é um prazer” ou “Estar no programa é um prazer para mim”. Note que, nesses casos, “para mim” expressa uma opinião do próprio falante a respeito do que é dito.
Sempre que o pronome é usado como complemento, é correto usar a forma oblíqua “mim”. Por exemplo: “O exercício foi feito para mim”, “João disse aquilo para mim” ou “O jornal foi enviado para mim”.
Por outro lado, se o pronome tem função de sujeito, ou seja, aquele que pratica a ação, deve-se optar pelo “eu”: “O exercício é para eu fazer”, “João disse para eu jogar na zaga”, “O jornal de hoje é para eu ler”.
Para eliminar a dúvida no uso dos pronomes, vale relembrar as sábias palavras de minha professora dos tempos de colégio “O mim não faz nada, o eu é que faz”.

Sai um “X egg” sem ovo, no capricho!

Há alguns dias, numa famosa lanchonete da cidade, ouvi o seguinte: “Veja para mim um ‘cheese egg’, mas sem ovo, porque estou com o colesterol alto”. Para minha maior surpresa, o garçom se dirigiu ao chapeiro e disse “Sai um ‘cheese egg’ sem ovo, no capricho”.
Questionei-me por alguns instantes se “egg” significava mesmo ovo em inglês. Seria possível eu estar enganado?
O fato é que, atualmente, as pessoas estão usando inúmeras expressões e palavras do inglês e de outras línguas, sem, sequer, saber o que significam.
O “cheese” (queijo em inglês) foi substituído por ‘X’ nos cardápios. Não iria me admirar se alguém pedisse um “cheese tudo” sem queijo ou um “chicken salada” sem frango.
Quero deixar claro que não sou contra os estrangeirismos. São sempre bem-vindos, quando usados com moderação e para suprir necessidades da nossa língua. Se não tínhamos um nome para se referir às peças íntimas femininas, por exemplo, nada mais justo que tomarmos emprestadas as palavras francesas, sutiã (“soutien”, em francês) e lingerie. Da mesma forma, emprestamos do inglês, “VIP” (“very important person”), “fast-food”, hambúrger, show, notebook e centenas de outras palavras. Aliás, até mesmo a palavra futebol, hoje brasileiríssima, vem do vocábulo inglês “football”.
O que, às vezes, incomoda, é o exagero em relação ao uso dos estrangeirismos. Liquidação, no “shopping center” (palavra inglesa), por exemplo, é “sale” ou “70% off”. Mudar o visual antes era dar uma “repaginada”, agora é dar um “upgrade”. E a moda dos “personais”? É “personal stylist”, “personal trainer”, “personal friend”, “personal dancer”, “personal cooker”. Pois é, até o cozinheiro virou “personal cooker”. Depois dessa, vamos precisar de um “personal teacher”. (Ops! Professor particular de inglês).

Gerundismo versus gerúndio

Outro dia recebi um e-mail com um título um tanto quanto radical: “Morte ao gerúndio!” Abri com receio de que fosse um atentado terrorista. Felizmente, tratava-se apenas de um texto que ironizava o uso excessivo do gerúndio. Reproduzo aqui um trecho: “Este manifesto está sendo feito para que você possa estar recortando e estar fazendo diversas cópias, para alguém que não consiga estar falando sem estar espalhando essa praga terrível.” Ao final desse “Manifesto Antigerundista”, o autor ainda alertava: “A regra é clara!”. Lembrei-me até do Arnaldo César Coelho.
Ironias e radicalismos à parte, discutamos o caso dos gerúndios. Não se devem confundir os chamados “gerundismos”, que são usos indevidos do gerúndio, com situações em que o uso do gerúndio é legítimo. No excerto acima, o gerúndio é usado com verbos que indicam ações que não estão em curso. Nesse caso, não se deve usar o gerúndio. Poderíamos substituir as locuções com gerúndio apenas por um único verbo. “Este manifesto foi feito para que você possa recortar e fazer diversas cópias, para alguém que não consiga falar sem espalhar essa praga terrível.”
Para verbos que expressam ações que estão ou estarão em desenvolvimento, é normal se usar o gerúndio. Observemos um exemplo: “Se você for a minha casa entre as 18h e 18h30, eu estarei tomando banho”. Note que não há como substituir o estar + gerúndio por nenhum outro verbo, sem haver alteração de sentido. Nesse caso o gerúndio é necessário. Em Portugal, é comum se usar, em lugar do gerúndio, a locução com o verbo no infinitivo, estarei a fazer. Assim, enquanto aqui, no Brasil, o José está preparando uma deliciosa feijoada, em Portugal, a Maria está a cozinhar um saboroso bacalhau. Até a próxima.

Pulo seu carro, apenas R$ 30,00!

Um dia desses, um amigo, prestes a inaugurar seu novo empreendimento de lavagem de automóveis, decidiu anunciar o serviço de polimento de lataria em uma placa, na entrada de seu estabelecimento. Sem se dar conta do trocadilho, escreveu em letras garrafais “Pulo seu carro, apenas R$ 30,00”. Após alguns dias, não sei ao certo se devido ao preço ou à possível confusão dos clientes, poucos polimentos foram realizados.
A ambiguidade se deu porque alguns verbos da língua portuguesa, chamados irregulares, têm sua conjugação um tanto quanto diferente. Os clientes poderiam tanto fazer a leitura da placa com o verbo pular, quanto com o verbo polir, no presente do indicativo, pois ambos têm conjugações iguais para a primeira pessoa do singular. Temos para o verbo polir, irregular, a conjugação “eu pulo, tu pules, ele/ela pule, nós polimos, vós polis, eles pulem” e para o verbo pular, regular, “eu pulo, tu pulas, ele/ela pula, nós pulamos, vós pulais, eles pulam”.
Há ainda outros verbos irregulares que, na maioria das vezes, são evitados pelos falantes, por possuírem conjugações que fogem totalmente do padrão. Verbos como caber (eu caibo), rir (eu rio), roer (eu roo), moer (eu moo). Um tanto estranhas, não é? Você já ouviu o açougueiro dizer: “Eu moo a carne para a senhora agora”? Acho que não. A fim de evitar, principalmente, mau entendimento, recorremos a formas mais simples de dizer a mesma coisa. Para isso usamos algumas estratégias, como, por exemplo, o tão usado verbo ir, que funciona como uma espécie de “bombril” em nossa fala, já que “tem mil e uma utilidades”, além do sentido mais antigo, de expressar ideia de movimento (quem vai, vai a algum lugar). Assim o açougueiro diz: “eu vou moer a carne para a senhora agora”. Uma boa solução para a linguagem informal.
Quanto à placa de meu amigo, lê-se agora: “Polimos seu carro, apenas R$ 20,00”. O movimento aumentou. Só não sei ao certo se devido à troca da conjugação ou à redução do preço. Até a próxima!

Menos meia-língua, menos meias palavras!*

Dias atrás, em discurso no ABC Paulista, o presidente Lula disse que as olimpíadas, realizadas em várias disciplinas nas escolas da rede pública eram de grande relevância na formação escolar. Afirmou ele: “A de português é muito importante para as crianças não falarem ‘menas’ laranjas, como eu”. Lula aproveitou para alfinetar a retórica complicada de alguns políticos, ironizando “Às vezes, o português correto, as pessoas nem entendem. Entendem o ‘menas’ que eu falo”.
Embates políticos à parte, falemos um pouco da forma ‘menas’, usada de maneira proposital pelo presidente. Apesar de não constar no dicionário, essa forma é muito usada na linguagem popular, principalmente por pessoas que não tiveram a oportunidade de frequentar a escola.
A confusão se dá pela tentativa de realizar a concordância dessa palavra com o substantivo que vem depois. Acontece que o vocábulo menos é um pronome indefinido que não sofre variação, nem em gênero, nem em número. Esse pronome invariável é usado em comparações do tipo menos... do que. Dessa forma, temos “João tem menos laranjas do que seu vizinho”, “A caipirinha tem menos limões do que a limonada”. Da mesma forma, é invariável o vocábulo “meio”, quando usado como advérbio, significando “um pouco”, em frases como “O jogador está meio cansado”, “A torcida estava meio cansada” ou “Os jogadores estavam meio cansados”. Não nos esqueçamos, no entanto, que, ao contrário de “menas”, a palavra meia existe. Aliás, podemos ter meia funcionando como substantivo, “Compre um tênis e ganhe uma meia!”, como numeral, significando exatamente a metade de algo, “Comprei meia melancia!”. A dica é se atentar para o contexto em que a palavra está inserida. Ah, antes de encerrar, nunca é demais lembrar que nem mesmo o célebre escritor Machado de Assis escapou dessa confusão. Em Quincas Borba, lê-se: “a cabeça do Rubião meia inclinada”. Até a próxima.

* meia-língua, no Dicionário Aurélio, significa 1. Linguagem confusa, pouco inteligível, particularmente de criança ou de estrangeiro que não domina um determinado idioma.