terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Quando usar sessão, cessão, seção ou secção

Nessa semana, recebi, por e-mail, uma dúvida a respeito das palavras de mesma pronúncia empregadas na seguinte oração “A sessão da Câmara tratou da cessão do terreno para a criação da seção de trânsito no município”. O leitor questionava-me sobre as diferentes formas de escrita das palavras sessão, cessão e seção.
Vocábulos que possuem mesma pronúncia, como os da oração, são chamados de homófonos (homo = igual / phonos = som). Quanto à grafia, esses mesmos vocábulos possuem significados e origens diferentes no latim e, por consequência, possuem grafias diferentes em português, ou seja, são heterógrafos (hetero = diferente / grafo = escrita).
Sessão vem do latim sessione e tinha como significado o ato de assentar-se. Hoje a palavra é usada para se referir à reunião de pessoas em ambientes como cinemas, plenários, clubes etc. Cessão vem de cessione, que, por sua vez, vem do verbo cedere (ceder em português), que significa transferir os direitos ou a posse a outro. O terceiro vocábulo, seção, origina-se de sectione e é usado hoje em dia para se referir às divisões ou partes de um todo, ou, ainda, aos setores ou divisões de órgãos públicos. É possível se usar a variação ortográfica secção, que possui exatamente o mesmo significado e consta no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa.
Assim, recorrendo à origem dos vocábulos, é possível explicar as diferentes grafias de palavras que possuem hoje exatamente a mesma pronúncia.
Quanto à oração apresentada, ao considerarmos o sentido de cada uma das palavras, pode-se “traduzi-la” da seguinte forma: “A reunião da Câmara tratou da transferência de posse do terreno para a criação da divisão de trânsito do município”. É isso. Até a próxima.

“Abrido”, “cobrido”, “escrevido” Será que essas formas existem?

Alguns verbos possuem formas duplas de particípio. Além da forma regular, com final –do, como em imprimido, há também outra forma, irregular, advinda do latim, como em impresso.
A forma regular, geralmente, é usada em tempos compostos com os verbos auxiliares ter e haver e a forma irregular, usada com os verbos ser, estar e ficar, na voz passiva. Por exemplo, para o verbo imprimir, é possível se dizer: “Eu havia imprimido o trabalho ontem, portanto, hoje, o trabalho está impresso”. Para o verbo aceitar, diz-se: “Apesar do patrão ter aceitado as desculpas, ele não foi (verbo ser) aceito de volta no emprego”. O mesmo princípio vale para os demais verbos com duas formas de particípio, como acender (acendido/aceso), corrigir (corrigido/correto), entregar (entregado/entregue), fritar (fritado/frito), incluir (incluído/incluso), morrer (morrido/morto), pegar (pego/pegado), salvar (salvado/salvo), secar (secado/seco), segurar (segurado/seguro), soltar (soltado/solto), suspender (suspendido/suspenso). Os verbos ganhar, gastar e pagar, apesar de possuírem a forma regular, são, comumente, usados na forma irregular de particípio, tanto com os auxiliares ser e estar, quanto com ter e haver (ganho, gasto e pago). Os verbos abrir, cobrir e escrever possuem somente a forma irregular (aberto, coberto e escrito). “Abrido”, “cobrido” e “escrevido” não figuram no dicionário. É importante lembrar que a maioria dos verbos possui apenas a forma regular de particípio, com –do no final. É o caso do verbo chegar, que possui apenas a forma chegado. “Chego” não pode ser usado como particípio. Até a próxima.

Não confunda Paraná (PR) com praseodímio (Pr)

Nessa semana, recebi um e-mail que questionava a abreviatura utilizada na manchete do BOM DIA - São José do Rio Preto de quinta-feira, “Família fica 40h na fila para comprar máquina de lavar”. Para o leitor, a forma abreviada de horas, seria ‘hs’ e não apenas ‘h’.
O uso de abreviaturas é regulamentado pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Para hora ou horas, a forma correta é apenas a letra ‘h’. Da mesma forma, a abreviatura de metro(s) é somente a letra ‘m’, de litro(s), a letra ‘l’, de grama(s), a letra ‘g’, de tonelada(s), a letra ‘t’ (aliás, “ton.”, comumente usado em placas, segundo a ABNT, é a abreviatura de tonel).
As medidas acima, quando multiplicadas por mil, recebem, antes das letras g, l e m, a letra ‘k’ minúscula, que sinaliza mil vezes. Por exemplo, kg (quilograma = mil gramas), km (quilômetro = mil metros), kl (quilolitro = mil litros). É importante notar que a abreviatura é escrita com ‘k’, mas a palavra é escrita com ‘qu’.
Para simbolizar a divisão das medidas (g, m, l) por mil, acrescenta-se ‘m’ antes da letra: mg (miligrama = grama dividido por mil), mm (milímetro = metro dividido por mil), ml (mililitro = litro dividido por mil).
É comum encontrarmos abreviaturas grafadas de forma incorreta. Lit., por exemplo, não é abreviatura de litro, mas, de literatura; gr. pode significar grão, grosa ou grau, nunca grama. Metr. é a forma abreviada de Metrologia.
A discussão me fez recordar um fato interessante relatado por um professor de Química. Segundo ele, em um congresso da área, um renomado pesquisador propôs uma palestra intitulada “A importância do Pr na indústria mundial”. Curioso e imaginando que o “Pr” queria dizer Paraná (estado brasileiro), o professor assistiu a toda palestra e, ao final, surpreso, descobriu que “Pr” era a abreviatura de praseodímio, elemento químico de número 59 da tabela periódica, usado em ligas metálicas. Que decepção! Até a próxima.

Começa a guerra do Paulistão

Uma conhecida marca de cerveja brasileira tem veiculado a ideia de que os jogadores de futebol são verdadeiros guerreiros. Um dos principais ícones da campanha é o corintiano Ronaldo, considerado um grande lutador dentro e fora dos gramados.
A comparação entre guerra e futebol não é recente, ao menos se considerarmos o vocabulário usado por narradores, jogadores, técnicos e torcedores brasileiros. Vejamos.
Tudo se inicia na concentração, onde o comandante abre mão de sua experiência em confrontos anteriores para armar seus combatentes. Já no início do duelo, o treinador lembra que vencer a batalha é importante para não morrer na praia. Nessa hora, são importantes as estratégias ofensivas e defensivas, a proteção dos setores vulneráveis e a disciplina.
Em campo, os jogadores, com bravura, têm a missão de derrotar o oponente. Os atacantes e, entre eles, o grande artilheiro, têm a função de atingir a meta do adversário. Por descuido do arqueiro ou da defesa, o ponta de lança pode cruzar a área adversária e passar para o matador furar o bloqueio. Os desarmes são fundamentais no combate.
Para que a bomba do rival não atinja o objetivo, o importante é posicionar bem a barreira. Tem barreira que é uma verdadeira muralha. No caso de bombardeio do inimigo, o jeito é apelar para o contra-ataque, que pode ser mortal, se for feito pelos flancos. Aí é só fuzilar a retaguarda do opositor e correr para abraçar o capitão. O responsável pela vitória vira um herói e tem direito de beijar seu escudo diante da multidão. É nesse momento que o grito de guerra da torcida toma conta da arena, numa explosão de alegria. Pois é, confronto, combatentes, batalha, artilheiro, atacante, defesa, matador, felizmente, são apenas metáforas do futebol. Nessa guerra, travada no gramado, durante 90 minutos, ninguém morre. Que comece o Paulistão 2010!

O eufemismo do ministro Jobim

Há alguns dias, referindo-se à tragédia causada pelo terremoto do Haiti, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, afirmou o seguinte, em relação aos brasileiros não encontrados: “Evidentemente que a palavra ‘desaparecido’ aqui funciona como um eufemismo.”.
O eufemismo, a que o ministro se refere, é uma figura de pensamento que consiste na substituição de uma palavra ou expressão com sentido desagradável por outra, com a finalidade de amenizar seu significado.
É comum usarmos eufemismos com o intuito de preservarmos nossa face e não magoar outras pessoas. No trabalho, eles contribuem para uma convivência harmoniosa. Por exemplo, você já disse a sua colega de trabalho que o corte de cabelo, pelo qual ela pagou uma pequena fortuna, ficou horrível? É possível que você tenha pensado isso, mas dito apenas que ficou diferente. Nesse caso, “diferente”, é um eufemismo para horrível. E o filho pequeno do seu chefe? Por mais que você ache que o “capetinha” causa transtorno a todo o ambiente de trabalho, é prudente taxá-lo apenas de esperto, inteligente, curioso, interessado ou precocemente amadurecido. Esse último é um ótimo eufemismo para evitar dizer que a criança é enxerida, intrometida ou mal-educada. O ministro Nelson Jobim foi feliz na escolha do eufemismo “desaparecidos” em lugar da palavra “mortos”. O que chocou foi a revelação de que se tratava de um eufemismo. Seria o mesmo que dizer a um amigo que a nova namorada dele é simpática e revelar, segundos após, que “simpática” é um eufemismo. Além disso, a declaração não soou bem por ser feita prematuramente, já que, dias após a entrevista coletiva, pessoas ainda são encontradas com vida em meio aos escombros. Fica a dica. Se usar um eufemismo, não diga que usou. É isso. Até a próxima.

Crase: use com moderação!

Em relação à crase, tenho notado algo intrigante. É mais comum o uso desnecessário do que a falta de uso do acento grave em contextos obrigatórios. Levando isso em consideração, tratarei hoje de alguns contextos em que não se deve usar o acento indicador de crase.
A crase é o fenômeno de contração de duas vogais semelhantes, no caso, dois ‘as’. O caso mais comum de crase é o de preposição + artigo feminino. E aí está uma questão fundamental. Se, para haver a crase, é necessário um artigo feminino, nunca há crase antes de substantivo masculino. Por exemplo, “Dei o livro a João”, “Vou a pé”, “Vou a cavalo”. João, pé e cavalo, são substantivos masculinos.
Da mesma forma, nunca se usa um artigo feminino antes de um verbo no infinitivo e, por consequência, não se usa crase. Por exemplo, “A seguir, cenas dos próximos capítulos” ou “Roupas a partir de um Real”. Também não se usa artigo feminino antes dos dias do mês, portanto, não há crase na indicação de períodos de tempo (por exemplo: promoção especial de 14 a 19 de julho). Alguns pronomes nunca são usados com artigo definido, portanto, não há crase antes desses pronomes. Vejamos: “A quem devo pagar” ou “Envio a você o arquivo”. Note que antes de quem ou você, nunca se usa artigo feminino ‘a’. Se há um pronome indefinido (uma) antes da palavra, não se usa crase, pois não é possível usar juntos pronomes indefinido e definido. Observe: “A briga chegou a uma situação ridícula”, sem crase. Vale ainda a velha dica de realizar a substituição do substantivo feminino pelo equivalente masculino. Se não houver necessidade do acréscimo do artigo masculino junto ao ‘a’, isso indica que, com a palavra feminina, não se usa acento no ‘a’. Por exemplo, caso haja dúvida se o ‘a’ de “Aberto de segunda a sexta-feira” deve ou não ser acentuado (crase), troca-se o sexta-feira (feminino) por domingo (masculino) e tem-se: “Aberto de segunda a domingo”. Como não houve acréscimo de artigo masculino junto ao ‘a’, não há crase na primeira oração. Até a próxima.

Brasil, uma nação de 230 línguas diferentes

É muito comum ouvirmos a orgulhosa afirmação de que o Brasil é uma imensa nação de 180 milhões de falantes de língua portuguesa. Não deixa de ser louvável o fato de pessoas de regiões tão distantes como Sul e Norte conseguirem interagir de maneira satisfatória e compartilhar culturas, ao mesmo tempo, tão diferentes e interessantes.
Em debate dessa semana, no Simpósio Internacional de Letras e Linguística, realizado na Universidade Federal de Uberlândia, o professor emérito da Universidade de Brasília, Aryon Rodrigues, no auge de seus 84 anos, dos quais mais de 60 dedicados ao estudo das línguas indígenas, afirmou que o Brasil possui hoje, aproximadamente, 230 línguas diferentes. Desse total, 200 delas faladas por povos indígenas, que habitam o território em período anterior ao do “descobrimento”. Um número, a princípio, elevado, mas que, se comparado às cerca de 1200 línguas existentes no ano de 1500, demonstra a empreitada portuguesa de submissão do elemento indígena no território brasileiro. Considerando o desaparecimento de aproximadamente 1000 línguas em 500 anos, é possível concluirmos que duas línguas indígenas desapareceram a cada ano.
A dimensão do problema fez com que a Organização das Nações Unidas interviesse junto ao Governo Federal, no intuito de barrar a extinção desse patrimônio imaterial brasileiro. Uma das medidas adotadas foi a inclusão do chamado fator língua no questionário do IBGE, o que permitirá o conhecimento dos locais e indivíduos falantes dessas línguas e, além disso, propiciará a execução de políticas de monitoramento das comunidades indígenas em processo de dissolução. Obviamente, há a necessidade de que outras medidas conservativas sejam tomadas, como a catalogação de inúmeras línguas que ainda não possuem modalidade escrita e que sobrevivem somente na boca de seus poucos falantes. Além disso, não se devem desconsiderar outras dezenas de línguas de origem europeia e asiática, trazidas por imigrantes, que ainda permanecem vivas em algumas comunidades isoladas de todo o Brasil.

O “milagre” da aquisição da linguagem

Aqueles que já tentaram aprender um novo idioma, como inglês, devem ter notado o quanto é difícil compreender os falantes nativos de outra língua ou falar outro idioma. Para os que lograram êxito, aí vai uma pergunta: É possível se tornar fluente em uma nova língua em apenas três anos? Vamos dificultar um pouco. Há possibilidade de se adquirir plenamente essa língua sem frequentar um curso especializado, ou seja, somente pelo contato com falantes nativos do idioma? Impossível?
Na verdade, esse “milagre” ocorre todos os dias, muito perto de todos nós. E com eficácia de aprendizagem de 100%. Não se trata de nenhuma escola de idiomas, com um método inovador e revolucionário. Trata-se apenas da aquisição da língua materna por parte das crianças. Normalmente, em um período de três anos, a criança adquire a língua a que está exposta. E, surpreendentemente, sem frequentar aulas nem cursos. A aquisição ocorre somente pelo contato com falantes da língua, em situações normais do dia a dia. Nem a falta de estímulo dos pais impede a criança de progredir e adquirir a língua materna. E estamos falando de indivíduos de poucos meses, com quase nenhuma experiência de vida.
Um grande linguista, chamado Noam Chomsky, defende, desde a segunda metade do século XX, que a linguagem é uma dotação genética e que, portanto, nós, seres humanos, já nascemos com um conjunto de princípios relacionados à linguagem, todos de natureza universal e, pelo contato com determinada língua, ocorrem confirmações ou negações a respeito do conhecimento inato. Dessa forma, a criança não só repete o que ouve, mas é capaz de produzir frases que nunca ouviu. É possível que você não concorde com essas afirmações, mas, “atire a primeira pedra”, quem tiver uma explicação mais convincente para o prodigioso feito da aquisição da linguagem.
Na semana que vem, continuaremos a falar um pouco mais sobre todo esse processo. Até lá.

Por meio de erros e acertos, a criança evolui

Na semana passada, aludimos à facilidade com que as crianças adquirem a língua de seus pais. O impressionante é que tudo ocorre naturalmente, apenas pelo contato da criança com outros falantes da língua. A “sala de aula” ou “laboratório de pesquisas” desse pequeno aprendiz está em cada experiência do dia a dia.
Esse cientistazinho forma palavras e sentenças com a língua, relacionando algo aqui com outro lá, misturando algo ali e comparando com outro cá, procedendo a uma verdadeira construção da gramática. Por exemplo, quando uma criança diz “eu fazi”, não está simplesmente “falando errado”, está realizando uma complexa analogia. Provavelmente, ela conhece diversos verbos que possuem infinitivo em -er, como beber e comer, e sabe, por experiências anteriores, que esses verbos em primeira pessoa são terminados em –i (bebi e comi), assim, pela lógica natural, um outro verbo que ela não conhece (fazer), deve, como os anteriores, em primeira pessoa, possuir terminação em –i (“fazi”). Em momento posterior, por meio de novas experiências, ela irá aprender que alguns verbos são irregulares e não seguem as regras de conjugação dos demais (fazer – fiz).
Um outro exemplo dessa fantástica habilidade de observar criticamente a língua e seus sons pode ser percebida quando a criança trava contato com os nomes de pessoas. Ao observar que a maioria das mulheres possui nome terminado em ‘a’ e que a maioria dos homens possui nome terminado em ‘o’, assume isso como regra. Ao se deparar com nomes terminados em ‘e’, ‘l’, ‘ar’, ‘i’, como Alexandre, Isabel, Osmar e Keli, é comum a confusão no uso do artigo feminino ou masculino. É difícil, para a criança, conceber que ‘o’ tio Osmar, do sexo masculino, é casado com ‘a’ tia Lucimar, do sexo feminino, pois ambos terminam em –ar.
O mais importante a respeito de todas essas operações é que a criança, ao realizá-las, está raciocinando, relacionando, descobrindo e evoluindo.

A origem de alguns sobrenomes

É possível que você, leitor, já tenha notado que algumas pessoas possuem sobrenomes curiosos, estranhos e engraçados. Qual seria a origem dessas palavras que evidenciam nossa linhagem e denunciam nossa reputação?
Os sobrenomes que hoje carregamos chegaram até nós de diferentes maneiras. A profissão de nossos ancestrais, por exemplo, poderia originar um “apelido” que iria se estender a toda a família. O ator Will Smith, por exemplo, provavelmente teve algum antepassado ferreiro, já que “smith” significa ferreiro em inglês. Da mesma forma, o primeiro ministro espanhol, José Luis Zapatero, possivelmente, descende de uma família que possuía entre seus membros um sapateiro, pois é esse o significado em português de “zapatero”.
Os sobrenomes eram atribuídos também pela localidade onde residia a família. Por exemplo, o presidente Luís Inácio Lula da Silva, certamente, vem de uma família que possuía como residência a floresta, “silva”, em latim. “Os Ribeiro”, em sua origem, residiam próximos a algum rio ou ribeirão.
Se a família se destacava pelo cultivo de algum produto, era possível que a associassem a esse produto. Assim surgiram os sobrenomes Oliveira (azeitona), Pereira (pera), Nogueira (noz e madeira), Figueira (figo).
Era usual também se atribuir sobrenome a uma pessoa por meio do nome do pai. Os filhos de um homem chamado Estevão, por exemplo, eram chamados de Esteves. Da mesma forma, surgiram “os Fernandes” (filhos do Fernando), “os Rodrigues” (filhos do Rodrigo), “os Nunes” (filhos do Nuno), “os Marques” (filhos do Marcos) etc.
Características presentes em um ou mais membros de dada família podiam gerar novos sobrenomes. Rubio, por exemplo, significa louro em espanhol. Da mesma forma, temos “os Moreno”, “os Crespo”, “os Manso”, “os Longo”, “os Pequeno”.
Sobrenomes ligados à religiosidade e às crenças da família também eram frequentes. Assim, tem-se a origem de sobrenomes como Santos, Anjos, Assunção, Espírito Santo, Luz, Jesus.
Obviamente, alguns desses sobrenomes provêm de séculos atrás e é possível que hoje não haja qualquer relação com o significado original. Até a próxima.

Genuflexório? De onde vem isso?

Num bate-papo informal, num dos botecos da cidade, fui questionado sobre a origem das palavras do português. Para um de meus amigos, algumas palavras devem ter sido inventadas por alguém que tinha como objetivo simplesmente tornar a língua mais complicada e rebuscada. O vocábulo que gerou toda a discussão foi genuflexório, que nada mais é do que o estrado utilizado para ajoelhar e orar.
Aparentemente, não há motivo para que o local utilizado para colocar os joelhos se chame genuflexório. Acontece que, às vezes, as aparências enganam. Como se sabe, muitas palavras portuguesas têm sua origem na língua latina. A palavra joelho é uma alteração do vocábulo “genuculu”, do latim vulgar. Este vocábulo origina então genuflexório, local onde se flexionam os joelhos em oração.
A maioria das palavras do português atual sofreu alteração em relação a sua raiz latina. Por exemplo, erva vem do latim “herba”. Note que a palavra não possui mais o ‘h’, e o ‘b’ virou ‘v’. Apesar disso, as palavras derivadas desse vocábulo não se originam da raiz portuguesa, mas da raiz latina, ou seja, para formar derivadas da palavra erva, recorre-se ao termo latino “herba” e, então, tem-se: herbáceo (relativo à erva), herbicida (que mata ervas), herbívoro (que se alimenta de ervas), herbário (coleção de ervas).
Essa regra de formação é mais comum do que se pensa. Vejamos alguns exemplos: povo em português, vem de “populu” em latim. Daí, temos as derivadas população, popular, populoso. A palavra “pane” (pão, em português) origina panificadora, panificação, panificar. De “apicula” (abelha, em português), vem apicultura, apícola, apiário. Portanto, palavras como genuflexório, não foram “criadas” para complicar nossa vida, como disse meu amigo. Na verdade, sua origem pode ser facilmente explicada pela história da língua portuguesa. Até a próxima.

Avaí X Barueri

Ao viajarmos pelo Brasil, é muito comum nos depararmos com palavras de origem indígena, sejam para denominar municípios, rios, bairros, times de futebol ou mesmo para nomear elementos da fauna e da flora brasileiras. A lista é infindável: Avaí, Barueri, Botucatu, Bauru, Jundiaí, Itajaí, Itu, Tietê, Paraná, Paranavaí, Grajaú, Sorocaba, Tanabi, Tatuapé, Itaquera, Jaguaré, Pirituba, abacaxi, cajá, caju, cupuaçu, maracujá, jaguatirica, tatu e milhares de outros vocábulos. Muitos devem estranhar o fato de alguns deles serem acentuados e outros não. Avaí, por exemplo, leva acento, Barueri, não.
É importante lembrar que todas essas palavras, apesar de possuírem origem indígena, seguem hoje as mesmas regras de acentuação de outras palavras do português.
Os vocábulos que possuem a última sílaba tônica (oxítonos), somente devem ser acentuados se terminados em ‘a’, ‘e’, ‘o’ e ‘em’, seguidos ou não de ‘s’. Assim, acentuam-se, por exemplo, Tatuapé, Tietê, Paraná, cajá e maracujá e não se acentuam Barueri, Botucatu, Bauru, Itu, Tanabi, abacaxi, caju, cupuaçu e tatu.
Para os vocábulos que possuem a penúltima sílaba tônica (paroxítonos), tem-se exatamente o contrário, já que NÃO se acentuam os terminados em ‘a’, ‘e’, ‘o’ e ‘em’, seguidos ou não de ‘s’. Dessa forma, Sorocaba, Itaquera, Pirituba e jaguatirica não são acentuados.
Se o vocábulo possui uma sequência de duas vogais em sílabas diferentes (hiato), e a vogal que está isolada é um ‘i’ ou um ‘u’, deve ser acentuado. É o que ocorre em Avaí, Jundiaí, Itajaí, Paranavaí e Grajaú.
É muito comum encontrarmos placas de trânsito em rodovias estaduais e federais que não respeitam as “leis de acentuação”. Não se deixe enganar!

Obrigados nós!

Por culpa da modernidade e da falta de tempo que a acompanha, infelizmente, algumas expressões que denotam cordialidade ou gentileza estão saindo de moda. Palavras simples, como “obrigado” estão caindo em desuso. É possível que, no futuro, elas desapareçam de nosso vocabulário cotidiano. Sinceramente, espero que não.
Em certas ocasiões, esquecemo-nos do bem-estar que um singelo agradecimento pode trazer a quem presta um favor. Aliás, esquecemo-nos até mesmo que “obrigado” significa estar agradecido, dever favor, ser grato.
Para quem quer continuar se utilizando desse gesto de polidez que, em algumas situações, pode abrir grandes portas, aí vão algumas dicas. “Obrigado”, particípio do verbo “obrigar”, em agradecimentos, é adjetivo e deve concordar com quem expressa a gratidão, ou seja, com a pessoa que agradece.
Um homem agradece usando “obrigado”, uma mulher, usando “obrigada”. Se o agradecimento é feito em grupo, o vocábulo vai para o plural. Por exemplo, uma banda composta por mulheres agradece ao público com um “obrigadas” e um time de futebol masculino agradece com um “obrigados”.
Normalmente, alguém fica grato a alguém. Pode-se apontar quem está expressando a gratidão a quem, com o uso do pronome. Diz-se, por exemplo, “obrigado(a) eu” ou “obrigados(as) nós”. “obrigado(a)(s) a você” ou “obrigado(a)(s) a vocês”. Dessa forma, é possível se dizer: “Obrigados nós do BOM DIA a vocês leitores”. Note que “obrigado você” é inadequado, pois quer dizer que quem está grato é quem ouve e não quem fala. É isso. Obrigado e até a próxima.

Para mim ou para eu fazer

Um leitor me enviou um panfleto de um condomínio da cidade, questionando o uso do “para mim” no seguinte período: “Para mim, morar em condomínio fechado é maravilhoso”. Afirmava ele, perplexo, que aprendeu há muito tempo, que antes de verbo no infinitivo sempre se usa “para eu” e não “para mim”.
Na verdade, não se trata somente de haver um verbo depois do pronome. A questão é observar qual a relação entre esse pronome e o verbo. No exemplo citado pelo leitor, “mim” não é o sujeito do verbo. A vírgula, inclusive, garante isso, já que não se deve usar vírgula entre o sujeito e o verbo. O “para mim” é somente um complemento do verbo, que foi deslocado para o início da oração. É possível colocá-lo ao final da oração: “Morar em condomínio fechado é maravilhoso para mim”. Um exemplo semelhante foi usado por um professor de português, em uma entrevista na TV. Disse ele: “É um prazer, para mim, estar no programa”. Aqui, houve também uma inversão da ordem e o “para mim” é complemento do verbo e não sujeito. Era possível ele dizer “Para mim, estar no programa é um prazer” ou “Estar no programa é um prazer para mim”. Note que, nesses casos, “para mim” expressa uma opinião do próprio falante a respeito do que é dito.
Sempre que o pronome é usado como complemento, é correto usar a forma oblíqua “mim”. Por exemplo: “O exercício foi feito para mim”, “João disse aquilo para mim” ou “O jornal foi enviado para mim”.
Por outro lado, se o pronome tem função de sujeito, ou seja, aquele que pratica a ação, deve-se optar pelo “eu”: “O exercício é para eu fazer”, “João disse para eu jogar na zaga”, “O jornal de hoje é para eu ler”.
Para eliminar a dúvida no uso dos pronomes, vale relembrar as sábias palavras de minha professora dos tempos de colégio “O mim não faz nada, o eu é que faz”.

Sai um “X egg” sem ovo, no capricho!

Há alguns dias, numa famosa lanchonete da cidade, ouvi o seguinte: “Veja para mim um ‘cheese egg’, mas sem ovo, porque estou com o colesterol alto”. Para minha maior surpresa, o garçom se dirigiu ao chapeiro e disse “Sai um ‘cheese egg’ sem ovo, no capricho”.
Questionei-me por alguns instantes se “egg” significava mesmo ovo em inglês. Seria possível eu estar enganado?
O fato é que, atualmente, as pessoas estão usando inúmeras expressões e palavras do inglês e de outras línguas, sem, sequer, saber o que significam.
O “cheese” (queijo em inglês) foi substituído por ‘X’ nos cardápios. Não iria me admirar se alguém pedisse um “cheese tudo” sem queijo ou um “chicken salada” sem frango.
Quero deixar claro que não sou contra os estrangeirismos. São sempre bem-vindos, quando usados com moderação e para suprir necessidades da nossa língua. Se não tínhamos um nome para se referir às peças íntimas femininas, por exemplo, nada mais justo que tomarmos emprestadas as palavras francesas, sutiã (“soutien”, em francês) e lingerie. Da mesma forma, emprestamos do inglês, “VIP” (“very important person”), “fast-food”, hambúrger, show, notebook e centenas de outras palavras. Aliás, até mesmo a palavra futebol, hoje brasileiríssima, vem do vocábulo inglês “football”.
O que, às vezes, incomoda, é o exagero em relação ao uso dos estrangeirismos. Liquidação, no “shopping center” (palavra inglesa), por exemplo, é “sale” ou “70% off”. Mudar o visual antes era dar uma “repaginada”, agora é dar um “upgrade”. E a moda dos “personais”? É “personal stylist”, “personal trainer”, “personal friend”, “personal dancer”, “personal cooker”. Pois é, até o cozinheiro virou “personal cooker”. Depois dessa, vamos precisar de um “personal teacher”. (Ops! Professor particular de inglês).

Gerundismo versus gerúndio

Outro dia recebi um e-mail com um título um tanto quanto radical: “Morte ao gerúndio!” Abri com receio de que fosse um atentado terrorista. Felizmente, tratava-se apenas de um texto que ironizava o uso excessivo do gerúndio. Reproduzo aqui um trecho: “Este manifesto está sendo feito para que você possa estar recortando e estar fazendo diversas cópias, para alguém que não consiga estar falando sem estar espalhando essa praga terrível.” Ao final desse “Manifesto Antigerundista”, o autor ainda alertava: “A regra é clara!”. Lembrei-me até do Arnaldo César Coelho.
Ironias e radicalismos à parte, discutamos o caso dos gerúndios. Não se devem confundir os chamados “gerundismos”, que são usos indevidos do gerúndio, com situações em que o uso do gerúndio é legítimo. No excerto acima, o gerúndio é usado com verbos que indicam ações que não estão em curso. Nesse caso, não se deve usar o gerúndio. Poderíamos substituir as locuções com gerúndio apenas por um único verbo. “Este manifesto foi feito para que você possa recortar e fazer diversas cópias, para alguém que não consiga falar sem espalhar essa praga terrível.”
Para verbos que expressam ações que estão ou estarão em desenvolvimento, é normal se usar o gerúndio. Observemos um exemplo: “Se você for a minha casa entre as 18h e 18h30, eu estarei tomando banho”. Note que não há como substituir o estar + gerúndio por nenhum outro verbo, sem haver alteração de sentido. Nesse caso o gerúndio é necessário. Em Portugal, é comum se usar, em lugar do gerúndio, a locução com o verbo no infinitivo, estarei a fazer. Assim, enquanto aqui, no Brasil, o José está preparando uma deliciosa feijoada, em Portugal, a Maria está a cozinhar um saboroso bacalhau. Até a próxima.

Pulo seu carro, apenas R$ 30,00!

Um dia desses, um amigo, prestes a inaugurar seu novo empreendimento de lavagem de automóveis, decidiu anunciar o serviço de polimento de lataria em uma placa, na entrada de seu estabelecimento. Sem se dar conta do trocadilho, escreveu em letras garrafais “Pulo seu carro, apenas R$ 30,00”. Após alguns dias, não sei ao certo se devido ao preço ou à possível confusão dos clientes, poucos polimentos foram realizados.
A ambiguidade se deu porque alguns verbos da língua portuguesa, chamados irregulares, têm sua conjugação um tanto quanto diferente. Os clientes poderiam tanto fazer a leitura da placa com o verbo pular, quanto com o verbo polir, no presente do indicativo, pois ambos têm conjugações iguais para a primeira pessoa do singular. Temos para o verbo polir, irregular, a conjugação “eu pulo, tu pules, ele/ela pule, nós polimos, vós polis, eles pulem” e para o verbo pular, regular, “eu pulo, tu pulas, ele/ela pula, nós pulamos, vós pulais, eles pulam”.
Há ainda outros verbos irregulares que, na maioria das vezes, são evitados pelos falantes, por possuírem conjugações que fogem totalmente do padrão. Verbos como caber (eu caibo), rir (eu rio), roer (eu roo), moer (eu moo). Um tanto estranhas, não é? Você já ouviu o açougueiro dizer: “Eu moo a carne para a senhora agora”? Acho que não. A fim de evitar, principalmente, mau entendimento, recorremos a formas mais simples de dizer a mesma coisa. Para isso usamos algumas estratégias, como, por exemplo, o tão usado verbo ir, que funciona como uma espécie de “bombril” em nossa fala, já que “tem mil e uma utilidades”, além do sentido mais antigo, de expressar ideia de movimento (quem vai, vai a algum lugar). Assim o açougueiro diz: “eu vou moer a carne para a senhora agora”. Uma boa solução para a linguagem informal.
Quanto à placa de meu amigo, lê-se agora: “Polimos seu carro, apenas R$ 20,00”. O movimento aumentou. Só não sei ao certo se devido à troca da conjugação ou à redução do preço. Até a próxima!

Menos meia-língua, menos meias palavras!*

Dias atrás, em discurso no ABC Paulista, o presidente Lula disse que as olimpíadas, realizadas em várias disciplinas nas escolas da rede pública eram de grande relevância na formação escolar. Afirmou ele: “A de português é muito importante para as crianças não falarem ‘menas’ laranjas, como eu”. Lula aproveitou para alfinetar a retórica complicada de alguns políticos, ironizando “Às vezes, o português correto, as pessoas nem entendem. Entendem o ‘menas’ que eu falo”.
Embates políticos à parte, falemos um pouco da forma ‘menas’, usada de maneira proposital pelo presidente. Apesar de não constar no dicionário, essa forma é muito usada na linguagem popular, principalmente por pessoas que não tiveram a oportunidade de frequentar a escola.
A confusão se dá pela tentativa de realizar a concordância dessa palavra com o substantivo que vem depois. Acontece que o vocábulo menos é um pronome indefinido que não sofre variação, nem em gênero, nem em número. Esse pronome invariável é usado em comparações do tipo menos... do que. Dessa forma, temos “João tem menos laranjas do que seu vizinho”, “A caipirinha tem menos limões do que a limonada”. Da mesma forma, é invariável o vocábulo “meio”, quando usado como advérbio, significando “um pouco”, em frases como “O jogador está meio cansado”, “A torcida estava meio cansada” ou “Os jogadores estavam meio cansados”. Não nos esqueçamos, no entanto, que, ao contrário de “menas”, a palavra meia existe. Aliás, podemos ter meia funcionando como substantivo, “Compre um tênis e ganhe uma meia!”, como numeral, significando exatamente a metade de algo, “Comprei meia melancia!”. A dica é se atentar para o contexto em que a palavra está inserida. Ah, antes de encerrar, nunca é demais lembrar que nem mesmo o célebre escritor Machado de Assis escapou dessa confusão. Em Quincas Borba, lê-se: “a cabeça do Rubião meia inclinada”. Até a próxima.

* meia-língua, no Dicionário Aurélio, significa 1. Linguagem confusa, pouco inteligível, particularmente de criança ou de estrangeiro que não domina um determinado idioma.