Por sugestão de uma leitora, nesta semana, voltaremos a tratar da aquisição da linguagem. O tema, recentemente, foi explorado por um comercial de TV de um famoso achocolatado em pó. Nele, um garotinho, após se negar, insistentemente, a comer legumes, experimenta o produto e diz à mãe: “Eu gosti”.
A impressão inicial, ainda compartilhada por alguns pais e professores, a respeito dessa construção, é de que a criança que a produziu possui algum problema, o qual deve ser rapidamente corrigido, para que não haja prejuízos no futuro.
Contudo, se analisarmos melhor a produção, veremos que essa impressão é equivocada e ignora a capacidade de pensar da criança, alguém que aprende por meio de experiências que, embasadas em lógica, podem ou não dar certo.
Durante os primeiros anos de vida, o ser humano tem três necessidades básicas: comer, beber e dormir. Esses três verbos, naturalmente, estão muito presentes no vocabulário dos pais e parentes próximos.
Quando observamos a conjugação desses verbos e de grande parte de outros verbos utilizados no cotidiano da criança, como ‘sair’, ‘ver’, ‘assistir’ e ‘cair’, na primeira pessoa do singular do pretérito perfeito, notamos a regularidade de terminação em ‘i’ (comi, bebi, dormi, saí, vi, assisti, caí). Dessa regularidade, a criança extrai a regra de que a primeira pessoa no passado termina em ‘i’ e a ‘fórmula’ é aplicada para outros verbos de seu vocabulário, os quais ela nunca ouviu em primeira pessoa e no passado. Constrói, então, orações do tipo: “Eu gosti”, “Eu fazi”, “Eu di”. Orações que provam que o indivíduo em formação não é “um espelho” ou “uma esponja”, como se afirma por aí. Muito mais do que isso, é sinal de raciocino e criação. É sinal de que tudo vai bem.