Na língua portuguesa, algumas palavras são muito parecidas com outras e, às vezes, confundimo-nos e usamos a palavra incorreta para a ideia que queremos transmitir. Dizemos descriminação em lugar de discriminação, discrição em vez de descrição, tráfego em vez de tráfico.
Essa relação entre palavras semelhantes na pronúncia e na escrita, mas diferentes no significado é chamada de paronímia. Mas lembre-se: não são iguais, são semelhantes, ou seja, há sempre alguma diferença na forma escrita.
Para os exemplos acima, observe que uma única vogal, pode fazer toda a diferença. Descriminação é o ato de descriminar, deixar de ser crime (do latim “crimen”); discriminação (do latim “discriminatione”) é o ato de discernir, separar ou distinguir. Podemos dizer que somos a contra a discriminação racial, mas nunca a contra da descriminação racial.
Com as palavras discrição e descrição, há a mesma diferença. Descrição vem de descrever (do latim “describere”), que significa narrar ou contar minuciosamente. Discrição relaciona-se à discreto (do latim “discretu”), que quer dizer reservado, que não chama a atenção. É possível dizer que alguém age com discrição, mas não com descrição.
Em relação às palavras tráfego e tráfico, a distinção é mais visível, já que, além da diferença de vogais na segunda sílaba, há também alteração da consoante da última sílaba. Tráfego tem relação com grande fluxo ou grande atividade. Tráfego de automóveis, de aviões, de pessoas. Tráfico tem relação com comércio ou negócio. Tráfico de drogas, tráfico de armas.
O interessante é que, segundo o dicionário Aurélio, tráfego é uma palavra que se formou pela alteração da palavra tráfico (do italino “tráffico”). Em outras palavras, as duas têm mesma origem. Coisas de nossa língua. É isso. Até a próxima.
sexta-feira, 22 de outubro de 2010
Para que complicar?
Há algum tempo já discutimos aqui a necessidade que os falantes de língua portuguesa têm de tornar mais rebuscadas as expressões utilizadas no dia a dia. Renegam-se palavras portuguesas em favor de palavras do inglês e do francês, simplesmente para dificultar a compreensão, ou “elitizar” bens e serviços. E não é só isso, até mesmo no português, às vezes, abre-se mão de palavras simples somente para tornar mais rebuscado o discurso.
O mais curioso é que essa prática já ocorria há muitos séculos. Vejamos um bom exemplo, extraído de gramáticas da língua portuguesa.
Em 1540, ao tratar dos tempos verbais, na obra que seria uma das primeiras gramáticas do português, João de Barros anotou:
“Temos em nóssa linguágem cinquo tempos como os latinos: presente, passádo por acabar, passado acabádo, passádo mais que acabádo, e vindouro, ou futuro.” (conservei aqui ortografia e acentuação da época).
O leitor há de convir que é muito mais simples, para uma criança em idade escolar, lidar com o termo “passado mais que acabado” do que com a forma hoje utilizada, “pretérito mais-que-perfeito”. As formas “passado por acabar” e “passado acabado”, do mesmo modo, são autoexplicativas, por outro lado, as utilizadas nas gramáticas atuais, “pretérito imperfeito” e “pretérito perfeito”, já nasceram arcaicas. Até explicar ao aluno que pretérito é passado e que imperfeito é o que ainda não se acabou, “Inês é morta”, como diria Camões.
Não estou aqui defendendo o empobrecimento da língua portuguesa. As palavras e expressões cunhadas no dia a dia, ao contrário do que se pensa, só enriquecem cada vez mais o português.
O que sugiro é a popularização do ensino de língua portuguesa. Esse excesso de requinte surgiu exatamente em um momento em que a educação era para poucos. O momento agora é outro, a educação é para todos.
Língua(gem) e sociedade
Uma língua, seja ela qual for, tem a função de permitir a comunicação entre os indivíduos. Essa é sua função primordial. Há uma relação direta e indissolúvel entre sociedade e língua e língua e sociedade, que não permite que se pense em indivíduos vivendo conjuntamente sem o estabelecimento de comunicação entre si e, da mesma forma, não é possível a comunicação sem que haja uma convenção social, o que chamamos de língua.
Língua é um conjunto de convenções sociais historicamente constituídas, que permite que os indivíduos se comuniquem. Somente os seres humanos têm essa capacidade, relacionada talvez com algum dispositivo biológico, que permite que se formule e se entenda um conjunto de sons e a eles se associe um sentido.
A facilidade com que uma criança adquire sua língua materna é algo quase inexplicável, levando em consideração a complexidade de uma língua. Em aproximadamente três anos, adquire-se um conjunto razoavelmente grande de palavras, aliado às regras de uso da língua, as chamadas regras da gramática dos usuários de uma língua, algo que permite que se estruturem frases coesas e coerentes, ou seja, que permite que se diga “O bebê está com fome” em vez de “Fome bebê com está”.
Uma operação que parece simples, mas que possui grande complexidade, mesmo para adultos que tentam adquirir uma segunda língua. Além dessa facilidade na apreensão das estruturas e do léxico (palavras), some-se a elaboração, por parte da criança, de frases nunca ouvidas, demonstrando capacidade criativa e não somente reprodutiva, o que prova que o ser humano possui uma estrutura em seu cérebro que cria e modifica a língua.
Essa capacidade única coloca o homem como espécie central do planeta Terra, permitindo a organização em sociedade e a comunicação, atributos essenciais para o domínio sobre outras espécies e para a manipulação de objetos.
É a linguagem humana que permite a esse ser alterar seu meio e traçar o seu destino, mas, por outro lado, permite também galgar sua própria destruição.
O dialeto caipira ainda existe?
Em 1920, o filólogo, poeta e folclorista Amadeu Amaral publicou o que seria sua mais importante obra: “O dialeto caipira”, baseado na observação científica minuciosa das características da língua falada no interior paulista.
Alertou Amaral, já nas considerações prévias, que aquela forma de falar, diferente das demais variedades encontradas no país e em Portugal, estava, naquele momento, em vias de extinção e que não sobreviveria por muito tempo.
Segundo palavras do autor, o caipira tornar-se-ia, de dia em dia, mais raro e só com dificuldade poder-se-ia, em futuro breve, encontrar um representante genuíno da espécie.
Após 90 anos de publicação do livro de Amaral, retomamos o que fora apontado pelo autor como característico do falar caipira e, com surpresa e orgulho, constatamos, com base na observação científica da língua falada atualmente na região de Rio Preto, que aquelas peculiaridades, condenadas à extinção, sobrevivem não só na boca dos mais humildes, mas também de pessoas mais escolarizadas do interior do Estado.
E mais, características, como nosso “erre caipira”, particulares de indivíduos que Amaral chamou de “genuínos caipiras, roceiros ignorantes e atrasados”, espalharam-se por quase todo o estado e nos destacam e nos qualificam como moradores do interior paulista, um território que era antes considerado a “boca do sertão”, local econômica e culturalmente isolado, mas que hoje ostenta pujança econômica e social, e qualidade de vida pouco experimentadas em outras regiões brasileiras e internacionais.
Nosso dialeto caipira não mudou. O que mudou foi nosso status social e econômico perante o restante do país. Os “caipiras modernos” preservaram os antigos costumes, dentre eles, o dialeto, e honraram a memória de seus antepassados, mas não deixaram de evoluir e fizeram deste pedaço de chão um local de causar inveja a qualquer “moço da cidade grande”.
domingo, 12 de setembro de 2010
O “seu” e o “teu” no português
Na versão impressa deste texto, publicada no jornal Bom Dia de 12 de setembro, leia-se possessivo em lugar de demonstrativo.
No português padrão, aquele das gramáticas, há correlação exata entre pessoa do discurso e pessoa gramatical. Para a primeira pessoa, quem fala, formas verbais de primeira pessoa, para a segunda pessoa, com quem se fala, formas de segunda pessoa, para a terceira pessoa, de quem se fala, formas de terceira pessoa. Há também relação direta entre essas pessoas e os respectivos pronomes possessivos: “meu” para a primeira pessoa, “teu” para a segunda e “seu” para a terceira.
Acontece que, por alterações do quadro pronominal do português, ocasionadas pela inclusão de novas formas, não há mais exata correlação entre cada uma das pessoas do discurso e respectivas pessoas gramaticais. A forma de tratamento “vossa mercê”, por exemplo, originou o pronome pessoal de segunda pessoa do discurso, “você”, que substituiu o “tu” e que se utiliza de conjugações da terceira pessoa gramatical, como “ele/ela”. Além disso, o pronome “você” é usado com o possessivo de terceira pessoa “seu”. O mesmo utilizado com os pronomes de terceira pessoa “ele” e “ela”. Conclusão: pode haver ambiguidade no uso de “seu” na linguagem falada e escrita.
Veja um exemplo real: Um gerente de banco enviou um recado a seu funcionário: “Caro Fulano, o senhor Sicrano, da Diretoria, ligou e disse que seu empréstimo não pode ser aprovado. Por favor, tome providências urgentes para regularizar a situação. Obrigado”.
Pois bem. Quem está com problemas? O funcionário ou o membro da Diretoria? Se nos pautarmos nas regras gramaticais, o segundo; se considerarmos o uso real, o funcionário. Aliás, este só descobriu que não tinha problemas no limite, após acessar sua conta.
Uma estratégia usada para desfazer essa ambibuidade é o uso do pronome “dele” como possessivo de terceira pessoa. Uma solução não prescrita pela gramática, mas que evita a ambiguidade. É isso. Até a próxima.
domingo, 4 de julho de 2010
Contratam-se pedreiros e precisa-se de azulejistas - versão correta
Na versão impressa, publicada no domingo, lia-se voz ativa em vez de voz passiva analítica. A versão correta segue abaixo:
É muito comum encontrarmos por aí placas do tipo: “vende-se”, “aluga-se”, “compra-se” e “contrata-se”. Seja dito de passagem, a efervescência econômica brasileira, certamente, fará com que esses dizeres sejam ainda mais comuns.
O fato é que, normalmente, os verbos dessas placas sempre aparecem no singular, venham eles acompanhados de termos no singular ou no plural: “Contrata-se pedreiros com experiência”, “Aluga-se quartos”, “compra-se carros usados”. Será que está correto?
O “se”, presente nessas orações, é partícula apassivadora, o que leva a crer que há aí um sujeito que sofre a ação do verbo. Quem sofre a ação de “contratar”, “alugar” e “comprar”? São as palavras “pedreiros”, “quartos” e “carros”. São elas também os sujeitos das orações.
Ainda não está satisfeito? Vamos então “tentar” passar para a voz passiva analítica: “Pedreiros com experiência são contratados”, “Quartos são alugados” e “Carros usados são comprados”. Veja que nada mudou. A ação continua a mesma e o verbo “ser”, nos três casos, está no plural, indicando que, na passiva sintética, os verbos também devem estar no plural: “Contratam-se pedreiros com experiência”, “Alugam-se quartos” e “Compram-se carros usados”.
E como diferenciar casos de passiva sintética dos casos de indeterminação do sujeito, como em “Precisa-se de azulejistas”?
É simples. Nesse caso, a oração não está na voz passiva sintética e, por isso, não é possível passá-la para a voz passiva analítica. Aliás, não existe sujeito que se inicie por preposição. A dica para identificá-las está bem aí: nos casos de indeterminação, em que o verbo fica no singular, há sempre uma preposição após o verbo: “precisa-se de”, “necessita-se de”, “acredita-se em”. Se houver a preposição, o verbo fica no singular e o complemento é objeto indireto.
Na próxima semana voltaremos a tratar do assunto.
segunda-feira, 21 de junho de 2010
Oh pá! Já não falam cá como lá!
Uma longa conversa com um legítimo português me inspirou a escrever o texto desta semana, que não poderia deixar de ser sobre as diferenças que a nossa língua, o português brasileiro, tem em relação ao português de Portugal.
Nosso modo de falar se diferencia do modo lusitano em todos os níveis, desde o fonético até o semântico. A maior distinção entre as variedades do Brasil e de Portugal, contudo, pode ser encontrada no léxico.
Por exemplo, em Portugal não se toma café-da-manhã, farta-se com um pequeno-almoço. Não se pega um trem ou um ônibus, toma-se um comboio ou um autocarro. Lugar é chamado de sítio. Giro significa divertido, elegante, bonito e inteligente. Se o lugar é divertido, diz-se, então, que o sítio é giríssimo. Lá, os alunos não reprovam de ano, mas ficam chumbados. As crianças são chamadas de miúdos. Para se referir à juventude usa-se a expressão miudagem. A mulher se refere ao marido como meu homem. Velório pode ser chamado de velatório. Não se colocam as coisas, metem-se. Há lá ainda quem chame o colégio de liceu. Não se toma banho no banheiro e sim na casa de banho. Aliás, a palavra banheiro, em Portugal, é usada para se referir aos salva-vidas. O pão do tipo bisnaga é chamado de cacete. Não se praticam esportes, praticam-se desportos. Se aqui o carro é conversível, lá ele é descapotável.
O famoso gerúndio, usado em profusão no português brasileiro, não é muito empregado em Portugal. Uma operadora de telemarketing lusitana diria: “Senhor vou estar a efetuar o vosso cadastro e estar a cancelar vosso serviço”.
Com tantas diferenças há quem diga que é preciso se recorrer a um explicador, que no Brasil nada mais é do que professor particular. É isso. Até a próxima.
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