sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Expressões idiomáticas da língua portuguesa

Quantas vezes você “deu uma de joão sem braço”, “foi um maria-vai-com-as-outras” e “enfiou o pé na jaca”. Depois “começou a trocar as bolas”, “deu com a língua nos dentes” e sua esposa “rodou à baiana”. Não adianta “chorar pelo leite derramado”, pois se não fosse algum amigo “quebrar o galho”, até agora você estava “pegando papel na ventania” e sua mulher “dando mole por aí”.

Apesar do início bem-humorado do texto, a intenção de nossa coluna não é rir da infelicidade alheia. O verdadeiro intuito é demonstrar que, em nosso dia a dia, usamos com muito frequência as chamadas expressões idiomáticas da língua portuguesa, que nada mais são do que expressões que se caracterizam por não serem compreendidas recorrendo-se ao significado particular de cada vocábulo. Ao contrário, somente têm sentido se interpretadas como um todo e, geralmente, surgem de algum episódio corriqueiro do passado, que permitiu que ganhassem popularidade.

A expressão “rodar à baiana”, por exemplo, tem uma história de surgimento curiosa. Diz-se que no início do século passado, os blocos de carnaval saíam às ruas e, em meio ao povo, alguns malandros se aproveitavam das moças. Surgiu, então, a ideia de introduzir alguns capoeiristas, vestidos de baianas, em meio ao desfile, armados de navalhas. Via-se “rodar à baiana” no carnaval.

Os idiomatismos possuem algumas características muito particulares que os diferenciam de simples junções de palavras. Por exemplo, não é possível substituir uma das palavras dessas construções por outra que lhe seja sinônima, sem haver perda de sentido. Ninguém diz: girar à baiana ou dar uma de pedro sem braço.

As expressões idiomáticas são também incorretamente incluídas junto aos vocábulos compostos. Palavras compostas como guarda-roupa ou beija-flor não possibilitam flexão verbal; já expressões como “rodar à baiana” e “dar uma de joão sem braço” admitem flexão do verbo de acordo com o sujeito da ação. “O chefe rodou à baiana”, “A funcionária deu uma de joão sem braço”. É isso.

Ativo, passivo ou reflexivo?

No domingo passado, ao tratarmos de casos de voz passiva sintética, houve equívoco na classificação de uma das orações, o que me motivou a tratar, nessa semana, das vozes do verbo.

Na voz ativa, a pessoa a que se refere o verbo é a responsável pela ação. Por exemplo, em: “O goleiro da Argentina agrediu o adversário na área”, o sujeito “o goleiro da Argentina” é quem pratica a agressão contra o adversário. Se para toda ação há uma reação, quem sofrerá as consequências do ato também será ele, que, certamente, receberá um cartão vermelho e terá um pênalti contra seu time.

Quando o verbo está na voz passiva, indica que a pessoa é o objeto ou o paciente da ação verbal. Em “O goleiro da Argentina foi agredido pelo adversário na área”, o sujeito “o goleiro da Argentina”, em lugar de agredir, sofre a agressão. A diferença se evidenciaria, em campo, com falta em favor da Argentina e expulsão do adversário, responsável pela ação (agente da passiva).

O verbo poderia se apresentar também na voz passiva sintética, que se diferencia da passiva analítica pela omissão do agente, com o uso da partícula apassivadora (se). Para o fato acima, teríamos: “Agrediu-se o goleiro da Argentina na área”. Como efeito do uso dessa estrutura, haveria, em campo, apenas a marcação de falta a favor da Argentina, já que houve a omissão do “culpado” da agressão.

Há ainda a voz reflexiva, que indica, por meio da adição de um pronome oblíquo ao verbo (me, te, se), que a ação é realizada e sofrida pelo(s) mesmo(s) ser(es). Para o caso acima, poderíamos ter: “O goleiro da Argentina e o adversário agrediram-se dentro da área”. O resultado da agressão mútua, nessa situação, seria totalmente diferente, com goleiro e adversário sendo expulsos de campo. Isso, obviamente, se o juiz não fosse argentino!

O seu cão vai ficar um gato

Há alguns dias, um panfleto de propaganda me chamou a atenção pela criatividade no uso da língua. Em uma oferta de serviços de banho e tosa de loja especializada em produtos e serviços para animais (“pet shop”), viam-se em grandes letras, os dizeres “Aqui o seu cão vai ficar um gato”.

O produtor do anúncio se utilizou sabiamente de um recurso importantíssimo da língua: as figuras de linguagem. No caso, de uma das figuras mais produtivas da língua portuguesa, conhecida como metáfora, que consiste no emprego de uma palavra fora de seu sentido convencional ou normal, apontando semelhança mental e subjetiva entre os seres.

Podemos dizer que “a propaganda é a alma do negócio” ou que “o futebol é uma caixinha de surpresas”. Nos dois casos, estamos usando o sentido figurado, para dizer que a propaganda é de importância fundamental no negócio e que tudo pode acontecer em uma partida de futebol.

No panfleto, além de explorar o fato de que cães e gatos constituem a grande maioria dos “clientes” desse tipo de loja, o responsável pela propaganda atentou-se para o fato de que a palavra “gato”, além de ser usada para se referir aos felinos, também é usada metaforicamente como alusão aos seres humanos que se destacam pela beleza e sensualidade. O resultado foi a oração acima, que chamou a atenção dos futuros clientes em relação aos cuidados estéticos oferecidos, que vão deixar os cães e, obviamente, os gatos mais belos do que já são.

A utilização de metáforas relacionadas à palavra cão não gerariam mesmo resultado. A oração “o seu gato vai ficar o cão”, por exemplo, surtiria efeito contrário, já que “o cão”, metaforicamente, pode remeter a um ser de aparência desagradável.

Até a próxima.

Como entender nossa língua?

O diálogo com um austríaco me fez refletir sobre questões interessantes a respeito de nossa língua, as quais a tornam de difícil compreensão para quem não é brasileiro nato. Vejamos.

Quando se quer urgência na realização de algo, diz-se que deve ser feito já. Portanto, “já” quer dizer “agora”. Contudo, quando se diz que algo será feito “já, já”, quer dizer que será feito daqui a pouco. Se um “já” pede urgência, porque dois “jás” não sugerem maior urgência ainda? E quando se diz que algo deve ser feito rapidinho? “Rapidinho” seria diminutivo de “rápido”, por isso, seria natural que “rapidinho” fosse menos veloz que rápido, mas não é.

E o uso do não? Se quero dizer que não vou a algum lugar, digo: “Eu não vou”. “Não” nega o conteúdo do verbo, certo? Acontece que às vezes colocamos outro não ao final da oração e aí tem-se algo como: “eu não vou não”. Se um “não” nega o conteúdo do verbo, o outro estaria negando o primeiro “não”. Seria algo como “eu vou”? Sabemos que não é. Bem faz o nordestino que, com o intuito de evitar a fadiga, avançado em seu tempo e econômico nas palavras, diz: “vou não”.

Sem falar da célebre pergunta: “você tem horas?”. A resposta seria: “sim eu tenho”. Aliás, uma amiga tomou o maior “esfrega” de um taxista em Portugal, quando perguntou se ia chover. Disse ele, em alto e bom som: “Como é que eu vou saber?”. Parece até aquela pessoa que não entende o sentido de uma pergunta retórica. Se você diz: “Olá, tudo bem?”, ela diz: “não” e vem logo com uma série infindável de problemas e doenças. Uma pergunta retórica sugere uma reposta simples como, “tudo bem, e você?”

Como é que o austríaco (aquele mencionado no início do texto) vai entender tudo isso. Coisas da nossa língua. Até a próxima.

“Meio que em off” ou “making of”

As palavras provenientes de outras línguas sempre estiveram presentes no vocabulário dos brasileiros. Durante a colonização, a enorme variedade de povos europeus e africanos que aqui aportaram fez com que o português recebesse inúmeras contribuições que, somadas às contribuições das centenas de línguas indígenas presentes no território brasileiro, delinearam uma língua que alguns ousam chamar de brasileira.

Não obstante a origem caracterizada pela junção de culturas e povos, o português brasileiro recebeu e ainda recebe contribuições de inúmeras outras fontes, sobremaneira, de nações que atualmente exercem certo domínio econômico e cultural sobre os demais países.

Com a popularização da rede mundial de computadores, a proliferação dos estrangeirismos – palavras emprestadas de outras línguas – passou a figurar como fenômeno evidente de enriquecimento do vocabulário das línguas. Palavras como “deletar”, “escanear”, “tuitar” e “logar” soam como legítimas portuguesas na boca da “geração internet”, que já “saiu de fábrica” falando inglês e “fuçando” no computador.

Contudo, gerações anteriores, com mais de 30 anos e “sem tecla sap”, confundem-se com tantos termos em inglês. Veja um exemplo.

Uma amiga, ao tratar de detalhes do casamento com a cabeleireira, recebeu a informação de que poderia fazer “making of” com o fotógrafo. Sem conhecer a expressão cunhada no cinema americano, que significa “documentário de bastidores”, a futura noiva entendeu que ela poderia fazer algo “meio que em off”, expressão adaptada de “off the records” e usada no Brasil para se referir a algo “não oficial” ou, em português popular, “por baixo dos panos”. Resultado: recusou prontamente a oferta da cabeleireira.

Aliás, o correto é “the making of” e não “the making off”, como muito se vê, já que a tradução exata do termo é “a feitura de” ou “a elaboração de”. Até a próxima.

Quando usar perca ou perda?

O verbo perder quase sempre remete a ações de caráter negativo. Perdemos tempo, perdemos dinheiro, perdemos coisas, perdemos pessoas, “perdemos até a cabeça” (obviamente, no sentido figurado). Positivo mesmo só se perdermos peso. Aliás, o tema deste artigo surgiu exatamente de um comercial de TV, daqueles famosos, que prometem corpo “sarado” em poucas semanas, com dietas milagrosas e sem nenhum esforço.

O comercial se iniciava, como os demais, com fotos de desconhecidos antes e depois da dieta e, em grandes letras, exibia no canto da tela os seguintes dizeres: “Com o uso efetivo do produto, acompanhado de exercícios físicos, perda até 5 quilos em uma semana”.

Deixando de lado a eficácia do método de emagracimento, analisemos o uso incorreto da forma “perda”.

O verbo “perder” é irregular e há a troca do ‘d’ pelo ‘c’ em algumas formas verbais, como na primeira pessoa do singular do presente do indicativo, “eu perco” ou na terceira do imperativo afirmativo, “perca você”, “percam vocês”.

Na oração acima, requeria-se a forma de terceira pessoa do singular no imperativo afirmativo “perca”. Dessa forma, o correto seria: “Perca até 5 quilos em uma semana”.

“Perda” é substantivo feminino e deve ser usado somente com essa função. Por exemplo: “Ocorreu a perda total no acidente com o automóvel” ou “Há muita perda de tempo no trânsito hoje em dia”.

A dica para não errar é observar se a forma requerida no contexto é um verbo ou um substantivo. O substantivo sempre admite o acréscimo de um artigo definido em posição anterior: “a perda de tempo”, “a perda de espaço”. Com o verbo, o mesmo não ocorre. Até a próxima.

Uma revisão nas regras de acentuação

A grande queixa dos alunos em relação às regras gerais de acentuação é se lembrar daquela série enorme de terminações de palavras paroxítonas acentuadas (UM, UNS, L, PS, X, EI (S), ÃO (S), U (S), I (S), R, Ã (S), N).

Acontece que há outra forma de sabermos quais palavras paroxítonas (palavras com a penúltima sílaba tônica) devem ser acentuadas no português.

É só “guardarmos” a regra das oxítonas e dos monossílabos tônicos (diga-se de passagem, muito mais simples), que, por consequência, saberemos quais as paroxítonas acentuadas.

Acentuamos os monossílabos tônicos terminados em ‘a(s)’, ‘e(s)’, ‘o(s)’ e as oxítonas terminadas em ‘a(s)’, ‘e(s)’, ‘o(s)’, ‘em’, ‘ens’. Isso quer dizer que acentuamos monossílabos como: pá, pé e pó e oxítonas como: maracujá, filé, jiló, refém e parabéns. Quer dizer também que não acentuamos os monossílabos e as oxítonas com outras terminações, como: vi (do verbo ver), nu, abacaxi, tatu, professor, partir, jornal etc.

Para as paroxítonas, ocorre exatamente o contrário, ou seja, não acentuamos as terminadas em ‘a(s)’, ‘e(s)’, ‘o(s)’, ‘em’, ‘ens’, como planta, frente, canto e ontem; e acentuamos as que possuem quaisquer outras terminações (“coincidentemente”, as da lista acima), como: álbum, ágil, bíceps, tórax, vôlei, órfão, bônus, hífens, vírus, táxi, ímã.

Em relação às proparoxítonas, não há mistério. Todas são acentuadas.

A mesma estratégia usada em relação às regras gerais de acentuação pode funcionar bem para as demais regras. Oxítonas terminadas em ditongo “ia” não são acentuadas, paroxítonas são. Acentua-se ambulância, mas não se acentua melancia.

É isso. Até a próxima semana.

Uma vogal faz toda a diferença

Na língua portuguesa, algumas palavras são muito parecidas com outras e, às vezes, confundimo-nos e usamos a palavra incorreta para a ideia que queremos transmitir. Dizemos descriminação em lugar de discriminação, discrição em vez de descrição, tráfego em vez de tráfico.


Essa relação entre palavras semelhantes na pronúncia e na escrita, mas diferentes no significado é chamada de paronímia. Mas lembre-se: não são iguais, são semelhantes, ou seja, há sempre alguma diferença na forma escrita.

Para os exemplos acima, observe que uma única vogal, pode fazer toda a diferença. Descriminação é o ato de descriminar, deixar de ser crime (do latim “crimen”); discriminação (do latim “discriminatione”) é o ato de discernir, separar ou distinguir. Podemos dizer que somos a contra a discriminação racial, mas nunca a contra da descriminação racial.

Com as palavras discrição e descrição, há a mesma diferença. Descrição vem de descrever (do latim “describere”), que significa narrar ou contar minuciosamente. Discrição relaciona-se à discreto (do latim “discretu”), que quer dizer reservado, que não chama a atenção. É possível dizer que alguém age com discrição, mas não com descrição.

Em relação às palavras tráfego e tráfico, a distinção é mais visível, já que, além da diferença de vogais na segunda sílaba, há também alteração da consoante da última sílaba. Tráfego tem relação com grande fluxo ou grande atividade. Tráfego de automóveis, de aviões, de pessoas. Tráfico tem relação com comércio ou negócio. Tráfico de drogas, tráfico de armas.

O interessante é que, segundo o dicionário Aurélio, tráfego é uma palavra que se formou pela alteração da palavra tráfico (do italino “tráffico”). Em outras palavras, as duas têm mesma origem. Coisas de nossa língua. É isso. Até a próxima.

Para que complicar?

Há algum tempo já discutimos aqui a necessidade que os falantes de língua portuguesa têm de tornar mais rebuscadas as expressões utilizadas no dia a dia. Renegam-se palavras portuguesas em favor de palavras do inglês e do francês, simplesmente para dificultar a compreensão, ou “elitizar” bens e serviços. E não é só isso, até mesmo no português, às vezes, abre-se mão de palavras simples somente para tornar mais rebuscado o discurso.

O mais curioso é que essa prática já ocorria há muitos séculos. Vejamos um bom exemplo, extraído de gramáticas da língua portuguesa.

Em 1540, ao tratar dos tempos verbais, na obra que seria uma das primeiras gramáticas do português, João de Barros anotou:

“Temos em nóssa linguágem cinquo tempos como os latinos: presente, passádo por acabar, passado acabádo, passádo mais que acabádo, e vindouro, ou futuro.” (conservei aqui ortografia e acentuação da época).

O leitor há de convir que é muito mais simples, para uma criança em idade escolar, lidar com o termo “passado mais que acabado” do que com a forma hoje utilizada, “pretérito mais-que-perfeito”. As formas “passado por acabar” e “passado acabado”, do mesmo modo, são autoexplicativas, por outro lado, as utilizadas nas gramáticas atuais, “pretérito imperfeito” e “pretérito perfeito”, já nasceram arcaicas. Até explicar ao aluno que pretérito é passado e que imperfeito é o que ainda não se acabou, “Inês é morta”, como diria Camões.

Não estou aqui defendendo o empobrecimento da língua portuguesa. As palavras e expressões cunhadas no dia a dia, ao contrário do que se pensa, só enriquecem cada vez mais o português.

O que sugiro é a popularização do ensino de língua portuguesa. Esse excesso de requinte surgiu exatamente em um momento em que a educação era para poucos. O momento agora é outro, a educação é para todos.

Língua(gem) e sociedade

Uma língua, seja ela qual for, tem a função de permitir a comunicação entre os indivíduos. Essa é sua função primordial. Há uma relação direta e indissolúvel entre sociedade e língua e língua e sociedade, que não permite que se pense em indivíduos vivendo conjuntamente sem o estabelecimento de comunicação entre si e, da mesma forma, não é possível a comunicação sem que haja uma convenção social, o que chamamos de língua.

Língua é um conjunto de convenções sociais historicamente constituídas, que permite que os indivíduos se comuniquem. Somente os seres humanos têm essa capacidade, relacionada talvez com algum dispositivo biológico, que permite que se formule e se entenda um conjunto de sons e a eles se associe um sentido.

A facilidade com que uma criança adquire sua língua materna é algo quase inexplicável, levando em consideração a complexidade de uma língua. Em aproximadamente três anos, adquire-se um conjunto razoavelmente grande de palavras, aliado às regras de uso da língua, as chamadas regras da gramática dos usuários de uma língua, algo que permite que se estruturem frases coesas e coerentes, ou seja, que permite que se diga “O bebê está com fome” em vez de “Fome bebê com está”.

Uma operação que parece simples, mas que possui grande complexidade, mesmo para adultos que tentam adquirir uma segunda língua. Além dessa facilidade na apreensão das estruturas e do léxico (palavras), some-se a elaboração, por parte da criança, de frases nunca ouvidas, demonstrando capacidade criativa e não somente reprodutiva, o que prova que o ser humano possui uma estrutura em seu cérebro que cria e modifica a língua.

Essa capacidade única coloca o homem como espécie central do planeta Terra, permitindo a organização em sociedade e a comunicação, atributos essenciais para o domínio sobre outras espécies e para a manipulação de objetos.

É a linguagem humana que permite a esse ser alterar seu meio e traçar o seu destino, mas, por outro lado, permite também galgar sua própria destruição.

O dialeto caipira ainda existe?

Em 1920, o filólogo, poeta e folclorista Amadeu Amaral publicou o que seria sua mais importante obra: “O dialeto caipira”, baseado na observação científica minuciosa das características da língua falada no interior paulista.

Alertou Amaral, já nas considerações prévias, que aquela forma de falar, diferente das demais variedades encontradas no país e em Portugal, estava, naquele momento, em vias de extinção e que não sobreviveria por muito tempo.

Segundo palavras do autor, o caipira tornar-se-ia, de dia em dia, mais raro e só com dificuldade poder-se-ia, em futuro breve, encontrar um representante genuíno da espécie.

Após 90 anos de publicação do livro de Amaral, retomamos o que fora apontado pelo autor como característico do falar caipira e, com surpresa e orgulho, constatamos, com base na observação científica da língua falada atualmente na região de Rio Preto, que aquelas peculiaridades, condenadas à extinção, sobrevivem não só na boca dos mais humildes, mas também de pessoas mais escolarizadas do interior do Estado.

E mais, características, como nosso “erre caipira”, particulares de indivíduos que Amaral chamou de “genuínos caipiras, roceiros ignorantes e atrasados”, espalharam-se por quase todo o estado e nos destacam e nos qualificam como moradores do interior paulista, um território que era antes considerado a “boca do sertão”, local econômica e culturalmente isolado, mas que hoje ostenta pujança econômica e social, e qualidade de vida pouco experimentadas em outras regiões brasileiras e internacionais.

Nosso dialeto caipira não mudou. O que mudou foi nosso status social e econômico perante o restante do país. Os “caipiras modernos” preservaram os antigos costumes, dentre eles, o dialeto, e honraram a memória de seus antepassados, mas não deixaram de evoluir e fizeram deste pedaço de chão um local de causar inveja a qualquer “moço da cidade grande”.