domingo, 21 de fevereiro de 2010

Quando usar este, esse ou aquele

No início deste mês, um grande site de notícias veiculou a manchete: “Comerciantes afirmam que carnaval desse ano será melhor do que do ano anterior”. Provavelmente os comerciantes não erraram e faturaram um bom dinheiro nos cinco dias de folia. Quem se enganou foi o site, ao utilizar o pronome “desse”, para indicar algo que ainda não se encerrou (2010). Vejamos a regra.
Os pronomes demonstrativos “este”, “esse” e “aquele” e suas combinações são usados para marcar posição no espaço, no texto e no tempo. No espaço, indicam a distância de algo ou alguém em relação a quem fala. Por exemplo: “Este carro em que estou é melhor que esse em que você está e pior que aquele que vendi.”. Usa-se “este” para o veículo que está próximo do falante, “esse” para o que está próximo do ouvinte e “aquele” para o que está distante dos dois.
Para marcar a posição no texto, usa-se “esse”, “essa” e “isso” para o que já foi expresso e “este”, “esta” e “isto” anunciam algo que será dito. Por exemplo: “Esta é uma verdade irrefutável: o automóvel anterior era mais econômico. Isso você não pode negar.”. É possível se usar também “este(a)” e “aquele(a)” para se referir a dois nomes ou duas ideias do texto. “Este(a)” remete à mais próxima e “aquele(a)”, à mais distante. Vejamos: “Ao comparar o automóvel e a motocicleta, concluí-se que esta é mais barata do que aquele”.
Quando marcam posição no tempo em relação ao falante, “este”, “esta” e “isto” marcam sempre presente e “esse”, “essa” e “isso” marcam passado próximo. “Aquele”, “aquela” e “aquilo” marcam passado distante. A forma correta da manchete seria: “Comerciantes afirmam que carnaval deste ano será melhor do que do ano anterior”, pois “deste ano” refere-se a 2010. Até a próxima.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Por que seiscentos é com ‘sc’ e setecentos não?

É comum a confusão das crianças com numerais cardinais da língua portuguesa, seja no momento de aquisição da linguagem, ou mesmo no período escolar, na aprendizagem da escrita. Essa semana, ao observar uma criança de quatro anos brincando com o pai, notei algo curioso. Quando a sequência de contagem chegava próxima ao número vinte, ouvia-se: ...dezoito, dezenove, “dezevinte”. Note que há nesse “equívoco” uma lógica interessante, pois os quatro números anteriores da sequência se iniciam por dez (dezesseis, dezessete, dezoito, dezenove). Por analogia, o próximo número deveria se iniciar da mesma forma.
Essa confusão também se estende à escrita, pois é comum haver dúvida se um número é escrito com ‘z’, com ‘s’, com ‘ss’ ou com ‘sc’. Se recorrermos à lógica para explicar a composição de alguns numerais, é provável que nunca mais as crianças apresentem esse tipo de dificuldade.
Observe, por exemplo, os números citados acima: dezesseis é 10+6, ou dez e seis (como em português um ‘s’ entre vogais tem som de ‘z’, dobramos os esses na junção e temos dezesseis). O mesmo ocorre com dezessete (10+7, ou dez e sete, = dezessete). Com dezoito, temos: 10+8, ou dez e oito. Nesse caso, há uma vogal iniciando o segundo número, portanto elimina-se o ‘e’ (desnecessário, já que o padrão normal da língua portuguesa é consoante + vogal) e temos dezoito. Para o dezenove, unimos dez e nove (10+9) e surge dezenove.
Com múltiplos de cem, que também geram confusão na escrita, o critério é o mesmo. Por exemplo, quatrocentos (4x100 = quatro centos), seiscentos (6x100 = seis centos), setecentos (7x100 = sete centos), oitocentos (8x100 = oito centos), novecentos (9x100 = nove centos). Veja que seiscentos é com ‘sc’ porque seis é o único dos números acima que termina com ‘s’.
Ao recorrermos a esse método, elimina-se a incerteza quanto à escrita de numerais como dezesseis e seiscentos. Até a próxima semana.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Mãe pobre, filha nobre

Ao tratarmos da história das línguas românicas, afirmamos anteriormente que o latim é a língua-mãe do português. O que se desconhece é que a língua portuguesa não se deriva do latim clássico, aquele falado pelos grandes oradores, poetas e filósofos, como Horácio, Virgílio e Sêneca, mas sim de um latim simplificado e prático, o latim vulgar - vulgo significa povo, portanto latim do povo, daí vem o verbo divulgar, tornar público. Era esse latim que se usava nas províncias romanas conquistadas. Províncias essas onde iriam surgir línguas, como a espanhola, a italiana, a francesa, a portuguesa e muitas outras. É claro que houve um longo período de transformação até que surgissem essas línguas.
Para podermos entender a diferença entre o latim clássico e o latim vulgar, poderíamos tomar, grosso modo, a comparação que hoje fazemos entre o português padrão, aquele das gramáticas escolares e da literatura clássica e o português não-padrão, da linguagem popular ou coloquial, usado no dia-a-dia.
Durante o período de expansão do Império Romano, certamente, um romano de alta linhagem deveria achar o latim vulgar, que deu origem a nossa língua, um latim “feio e errado”, exatamente como muitos pensam a respeito do português coloquial. É algo a se considerar. Que fique claro que não há qualquer intento de apologia ao português popular. Apenas destaco a importância de não se desprezar a língua do povo, a língua viva, que não para de se modificar e de ser reinventada. A mudança sempre ocorreu, tentar impedi-la é o mesmo que tentar barrar o crescimento de uma criança.
Ah! Para quem ainda tem dúvidas sobre o parentesco das línguas modernas, vai aqui um exemplo: em francês temos arriver (chegar), em italiano, arrivare (chegar), em espanhol, arribar (chegar), em inglês, arrive (chegar) e em português arribar (chegar), este último, apesar de pouco usado, figura em nossos dicionários.
É isso. Até a próxima...

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Decapitar não deriva de captar

O BOM DIA São José do Rio Preto noticiou, nessa semana, que um homem decapitou esposa e duas filhas, em um bairro da cidade. A manchete estampada na primeira página do jornal foi a seguinte: “Homem decapita mulher e 2 filhas no Solo Sagrado”.
Na manhã seguinte, a redação do jornal recebeu e-mails e telefonemas que questionavam a conjugação do verbo decapitar utilizada pelo jornal. Para alguns, faltava acento e a forma correta seria decápita. Para outros, havia um erro de ortografia e o correto seria decapta.
Vamos esclarecer a questão. Decapitar vem do latim “decapitare” e significa, em português, degolar, cortar a cabeça. Esse verbo se origina da união do termo latino “caput”, que significa cabeça, com o prefixo “de”, que, nesse contexto, acrescenta o significado de separação ou de tornar sem. Vejamos outras palavras: decodificar = tornar sem códigos, decompor = separar componentes.
A confusão dos leitores pode ter sido gerada pela falsa impressão que decapitar deriva de captar, que também tem origem latina e vem de “captare”; em português, colher, apanhar, compreender.
Captar, no presente, se conjuga da seguinte forma: eu capto, tu captas, ele capta, nós captamos, vós captais, eles captam. Decapitar é conjugado assim: eu decapito, tu decapitas, ele decapita (com a penúltima sílaba tônica – ‘pi’), nós decapitamos, vós decapitais e eles decapitam. Nos tempos do Brasil colônia, havia um imposto cobrado dos proprietários de terras, em relação ao número de “cabeças” de escravos, denominado Capitação (com i), A palavra é derivada de caput e não do verbo captar, daí ser escrita com ‘i’. Captação sem ‘i’, vem do verbo captar e, por isso, pode ser usada em frases como: “O sistema de captação de água não suportou a chuva forte.”. De “captar” vem também o verbo “catar”, muito usado na comunicação oral. É isso. Até a próxima semana.